segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Ice on the wing.


Abriu a porta com violência desnecessária e pisoteou apressada o tapete felpudo próximo à entrada. Os coturnos molhados, o guarda-chuva quebrado em mãos e a capa de chuva amarela encobrindo um grande volume nas costas da moça.
Mal chegara e já causou a polêmica silenciosa de maior proporção na semana: vinham de todos os lados os olhares barbarizados. Até da mulher gorda - esposa do barbeiro - que trazia copinhos e café em uma bandeja metalizada. A mulher, inclusive, interrompeu seus passos mecânicos para prestar atenção na jovem que entrara.
- Em que posso ajudá-la? - Enfim, o barbeiro entendeu que era sua responsabilidade explicar a situação aos presentes. Seu bigode espesso e grisalho muito bem aparado com uma mecha mais escura bem ao centro.
- Eu vim aparar as asas. Eu preciso apará-las... - Respondeu a jovem, emburrada. Continuava parada junto à porta, sem ousar qualquer movimento. A capa amarela parecia cobrir uma mochila gigante, larga, de forma caótica.
Dois homens estavam sentados nas cadeiras de couro preto, deixando de ler o jornal em mãos para se ocupar com a novidade em pessoa. Outros três sujeitos aguardavam sentados em móveis gastos de cor senil, um deles com o radinho de pilha próximo ao ouvido esquerdo.
- Pois não?! - O barbeiro soltou a navalha sobre o balcão e limpou as mãos em uma pequena toalha que um dia fora branca, interessado e confuso a respeito da história que a moça trazia.
Ela os poupou de mais suspense e abriu os botões da capa plástica. Puxou-a para o lado com força, revelando enormes asas de penas brancas fosforescentes. Já estava acostumada a ver olhos arregalados, e nada foi acrescentado a sua impaciência.
- Mas... mas... quê isso? Onde conseguiu isso, minha cara? - O barbeiro falava rápido, cuspindo sobre o jaleco companheiro. Sua mulher ainda estava parada no meio do cômodo, com as bochechas rosadas combinando com o batom. O corte de cabelo ultrapassado a lembrava constantemente de que era casada com um barbeiro e que, em seu destino, não constava uma capa de revista.
- Eu não consegui isso. Isso apareceu, ok? Aconteceu. É isso. - Explicou estressada, esperando que seus gestos dessem mais confiabilidade ao seu relato. Porém, depois de um tempo de diálogo reticente, percebeu que de nada adiantava tentar ser entendida. - Olha, cresceram muito nos últimos tempos, e não quero que rasguem mais ainda minhas roupas. É inverno, sabe? - Ninguém piscava. - É inverno, e chove mais, e as penas ficam meio podres se molham muito. É ruim de manter assim, fica complicado no dia-a-dia... Eu só preciso que o senhor apare um pouco. - A mulher gorda olhou para seu reflexo na bandeja com a esperança de não ver nenhuma estrutura com penas atrás de sua cabeça. - Nem precisa ficar perfeito, é só cortar um pouco.
O homem hesitou em responder. Pela primeira vez na vida talvez, direcionou à esposa um olhar de súplica, pedindo que ela desse seu parecer. Eis que a gorda não falou nada, e retornou ao marido um olhar assustado. Ele achou que prudente seria não bancar o teimoso naquela situação. Mas nada de palavras, até então.
- Tá, e aí? - A moça suspirou. - Olha, eu realmente preciso de ajuda. Se eu pudesse fazer isso sozinha, eu juro que faria, mas olha só... - Ela começou a girar no mesmo eixo, como se tentasse agarrar as asas presas em suas costas. - Viu, eu pareço um cachorro correndo atrás do próprio rabo! - E pela primeira vez ela riu, tentando compreender o quanto sua situação era estranha para aqueles indivíduos.
- Resolve logo isso! - Gritou a esposa do barbeiro nervosa. No fundo, queria dizer "Anda, tira essa aberração daqui!". Achou que a moça tinha mesmo pacto com o capeta e pensou que o melhor seria não provocá-la. Muito religiosa, só queria que a jovem com asas estivesse longe dali e jamais retornasse.
O barbeiro nem olhou para a esposa. Fez um aceno com a cabeça para um dos homens sentados nas cadeiras pretas e este levantou imediatamente, embaralhando o jornal antes de deixá-lo sobre uma mesa baixa recheada de panfletos e cartões de marcenarias. Fingiu um sorriso simpático e se encostou na parede, como se estivesse ansioso para presenciar a cena que viria a seguir.
- Senta. - O barbeiro estendeu as mãos para a moça, apontando a cadeira vazia. Ela olhou para ele e para a cadeira seguidas vezes antes de dar o primeiro passo. E, quando se sentou, o fez com leveza, agradecida. A mulher gorda apertando o terço na mão desocupada. Os homens impressionados, pensando em como contariam a situação aos amigos de forma que eles acreditassem. A moça aliviada, com os cabelos molhados emoldurando seu rosto cansado e alguns quilogramas a menos se espalhando pelo chão.



quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Next!

As mãos trêmulas, o olhar assustado, o celular vibrando sobre o criado-mudo. "Atendo, não atendo, atendo, não atendo, atendo..?". A música insistia em tocar, mostrando que pelo menos um dos dois ainda tinha o que dizer. Sophie se irritava com sua demora em atender a ligação, mas aos poucos se convencia de que desejava mesmo ficar em silêncio, encerrar o drama. Uma hora a mais chorando é mais um período que se perde. E ela nem queria ter ocupado aquele espaço da vida dele. De verdade. E começou a culpar "o sistema", que pressiona as pessoas a forçar que se sentem atraídas e conectadas de alguma forma, numa tentativa de maquiar a solidão do dia-a-dia com garrafas de vinho, sorrisos inexpressivos e diálogos vazios. E transas fáceis. Vez após vez. Durante essa fase, em questão de três encontros já se tem um namorado - que, três meses depois, se tornará passado. Quatro meses, se houver muita boa vontade. E as semanas de Tim já tinham expirado segundo o conta-gotas de Sophie. "Fim. Simples assim. Não é de mim que você precisa, convenhamos.". Falsa (in)segurança. Talvez ela quisesse a prova de que ela estava errada, que estava sendo muito dura. E talvez fosse o que Tim estava tentando fazer ao insistir em discar os mesmos números. E ele fazia isso compulsivamente, como se houvesse algum erro na ordem dos algarismos. Apesar da preocupação, o que ele sentia era uma leve indiferença. "O fim nunca é mesmo o fim." São pessoas... ninguém funciona como um reloginho, que deixa de contar os minutos se está com a bateria descarregada. Nem tudo é necessariamente polarizado, existe um longo caminho entre o estar envolvido, apaixonado, o que for e o lado oposto. Mas talvez essa certeza seja o ponto cruel de toda a verdade: não perceber que houve uma rachadura. E não deveria ser tudo tão intenso em um tipo relacionamento que chega a acontecer umas quatro vezes ao ano. A falta de clareza em relação aos limites e aos próprios objetivos pessoais pode comprometer ainda mais a troca de sentimentos. E blá blá blá. Sophie esperou as ligações cessarem para ter de novo o celular em mãos. Limpou os olhos borrados de preto e repensou o horário que acordaria na manhã seguinte. Teve o azar de atender, por engano, a última tentiva de alcançar qualquer diálogo de Tim. Percebeu o feito segundos depois, se assustando com a voz grave. Desligou o aparelho. "Assim vou ficar sem despertador". Resolveu que ouviria o que ele tinha a dizer, afinal precisava acabar com tudo logo. Precisava trabalhar de dia, e a madrugada passa muito rapidamente. A fala dele parecia desesperada, como se tivesse passado um tempo imerso em água. E talvez ele mesmo estivesse consciente de que todo o drama talvez não valesse a pena. Talvez ela não fosse a pessoa certa mesmo. Se é que isso existe... "Foi muito bom, obrigado. Passar bem." - pensou em dizer. Seria grosseiro, de certa forma. Mas ela gostava de palavras cuspidas na cara. Sophie, aquela estranha que ele encontrara um dia na feira. Ela nunca ia na feira, ele estava lá por acaso - "bairro novo, sabe como é...". Ela contava os segundos para ver a luz do sol e nunca mais ouvir falar sobre aquele cara. Não que Tim merecesse o anonimato (pelo contrário, ela torcia para que a banda dele desse certo), mas de nada adiantaria mantê-lo ali, naquele espaço sem forma da vida de Sophie. Arquiteta, perfeccionista, mas incapaz de enquadrar Tim ou qualquer outro sujeito conhecido em seu projeto de vida. Ele não fazia o tipo sensível ou cavalheiro, mas ficara incomodado com a "vontade de liberdade" repentina de Sophie. Sua fala foi um tanto precipitada, querendo resolver logo quem ficaria com o quê, quando ela buscaria as roupas, se iriam juntos ao show para o qual já tinham comprado os ingressos. Ela estranhou a frieza. Para dizer a verdade, esperava um pouco mais de sofrimento, um pouco mais de enganação... "Oh, Sophie! Como vou viver sem você, minha querida?". Porque mesmo não acreditando que eles fossem certos um para o outro, ela queria acreditar que era a pessoa certa para outro alguém. Se é que isso existe. E ela queria que existisse. E, Tim, por sua vez, talvez sentisse certo alívio por tudo ter chegado ao fim. Nem sempre a maior angústia é de quem recebe calado a advertência. Ele consentiu.



segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sobre a quebra da inocência.

Não sei definir "quebra da inocência" de maneira menos brega ou mais complexa. Nomeio assim aqueles sustos momentâneos que fazem com que a criança amadureça de forma bruta, sem o intermédio de adultos que tentam amenizar a situação com eufemismos. É um fenômeno extremamente subjetivo, que é absorvido de formas diferentes por cada um. Minha vontade era de descobrir todas as formas que esse acontecimento assume, de analisar todos os contextos. Eu penso que são esses pequenos "baques" que comprometem a nossa estrutura infantil e nos tiram da redoma do mundo imaginário. Eu posso parecer estar trazendo palavras óbvias e velhas, mas eu realmente duvido que exista um número considerável de pessoas que pense nisso com a mesma intensidade. São cenas como a do Holden quando vê "Fuck you" pichado na escola da irmã pequena. A quebra da inocência tem esse caráter cruel da irreversibilidade, esse escancaramento da verdade incoveniente, esse poder de assombrar as mentes ingênuas, instigá-las a dar uma de Pandora e abrir a caixa. É o limite entre o mundo real e o mundo ideal. Mostra que os sonhos são apenas sonhos. É como ouvir por detrás da porta que um parente querido morreu. Mais do que isso: a quebra da inocência se dá nos milissegundos em que a criança passa a entender o significado de morte. Mesmo que isso seja um processo natural do aprendizado. De baque em baque, a criança cresce e muda sua maneira de interpretar o mundo. Percebe o quanto as pessoas são vulneráveis, o quanto as famílias não são perfeitas, percebe que as coisas não são estáveis. Vai se decepcionar ora ou outra, vai perder, e terá de aprender a lidar com isso sem se tornar um falso-herói. Esse assunto me faz pensar em bullying, sexo, e outras coisas aleatórias, tipo eu aos doze ou quatorze anos. Parece muito coisa de menininha, mas é tão universal. E eu acho absurdo o modo como as redomas das novas gerações vem sendo bombardeadas.


You better run for your life if you can, little girl

Ficamos parados na calçada e eu só conseguia pensar que eu não queria mais estar ali. Minha vontade foi de sair correndo e correndo e correndo e vencer a distância até a Lua ou até qualquer lugar muito distante que parecesse seguro. E, na minha mente, eu estava correndo com passos largos - conseguia ver o trajeto até o parque, recheado de construções não muito simpáticas, entediantes e sólidas, que não me ofereceriam refúgio algum. Mas meus pés estavam fixos no chão, como se uma corrente com uma esfera de ferro estivesse me impedindo de andar. E eu já não sabia se aqueles segundos em que eu ainda estava acompanhada deveriam ter um significado positivo. Eu não queria ouvir a resposta para o que eu dissera, não queria ouvir nada, absolutamente nada. Só queria fugir para qualquer lugar em que não existissem pessoas ou mesmo olhos para me observar. Qualquer julgamento é fatal quando nem nós mesmos sabemos o que estamos fazendo. E eu disse o que eu disse, contei o que eu fiz, e já nem sabia o quão verdadeiras eram minhas palavras ou mesmo meus sentimentos. Ele me olhou incrédulo, como se eu fosse a criatura menos merecedora de qualquer coisa. E não estou afirmando que eu não era essa criatura, apenas não sei dizer até que ponto tudo tinha ocorrido de forma intencional. E foi uma confusão: ele ficou mais do que chateado, eu fiquei mais do que perdida, e nós deixamos de trocar olhares. E, quando enfim eu corri, fui abordada por uma terceira pessoa que não tinha nada a ver com a história toda. Ele abriu os braços para mim e disse que eu estava certa. E eu sabia o quão errado ele estava, mas pensei que talvez estivesse certo. E se eu fosse a vítima da história? Aliás, por que eu não poderia ser? Quem disse que as coisas são preto no branco? Quem disse que eu agi por impulso e que agiria diferente se tivesse pensado a respeito? Eu parei de correr por dois segundos, então voltei a pular as lajotas numa tentativa de chegar no parque a tempo de ver o pôr-do-sol. Cheguei em casa sem perceber que errara o caminho, que eu deveria ter chegado no parque. Me senti tão fraca, tão fraca. E prometi que nunca mais ia ser sincera novamente - porque as pessoas não estão preparadas para ouvir as coisas, porque elas repudiam qualquer sinal de imperfeição. E eu quis correr mais, mas não havia fuga possível. Eu estava presa na minha cabeça, na bagunça dos meus pensamentos. Nem só de medo ou culpa ou raiva vive uma pessoa. E eu só queria entender por que parecia que eu estava tão errada, apesar de estar fazendo apenas o que eu sentia que deveria fazer.


terça-feira, 21 de setembro de 2010

Hello Goodbye

Aquela cena durou minutos patéticos. Eu percebi o quanto ele estava desconfortável ao me ver ali, onde ele estava almoçando com sua nova garota. Mas que se foda o desconforto dele, eu é que estava numa posição lamentável. Acenei do meu lugar, desejando que as fritas saltassem da frigideira diretamente para a minha boca e que, assim, eu pudesse dobrar a esquina o mais depressa possível. Mas acho que a boa educação dele resolveu mostrar seu lado incoveniente: "E aí, quanto tempo? Como vão as coisas?". Eu acho impressionante essa idéia que muitas pessoas compartilham de que, uma vez próximos, a intimidade entre dois indivíduos dura para todo sempre. Não! Se eu abandonei o curso que eu estava fazendo ou mudei de casa, nada disso vai fazer a vida de alguém tomar outro rumo. Não há o que ser dito. Respondi qualquer coisa neutra, do tipo que não evidencia minha felicidade ou meu fracasso. Bem sem sal. E era isso que eu queria transmitir, algo bem "ok, acabou a festinha. go home". Durante a tarde, pensei no quanto aquilo tudo tinha sido chato. Chato mesmo, entediante. As pessoas deveriam ter pelo menos umas duas conversas francas um tempão depois de alcançarem o final de seus relacionamentos. Para colocar tudo para fora, não necessariamente reparar algum sentimento. Dizer "oi, eu cheguei à conclusão de que seu edredon verde contribuiu muito para minha impaciência", "você é muito chato e eu odeio suas músicas", "adoro sua sobrancelha", "sua irmã é uma cretina". Ok, tudo isso exceto a parte da irmã. Passadas outras experiências, a gente acumula um monte de coisas para dizer a respeito de um alguém ou outro. Nem todo mundo gera essa multiplicação de pensamentos, é claro. Há quem seja tão limitado a ponto de ficar sempre no quadrado branco ou preto do tabuleiro... Mas igual eu acho que sempre vale a pena marcar um encontro ou escrever um bilhete para dizer "boring". O lado cruel de escrever é que, além de ser um ato covarde pela impossibilidade de ouvir a resposta no ato, impede que quem está lendo tenha o direito de não querer saber. A pessoa lê e pronto. Ouvir também tem esse lado, mas implica poder responder com um grito ou qualquer demonstração de insatisfação. O fato é que eu fiquei olhando para o cara na pastelaria dividindo um copo de refri com a nova garota e o meu aceno aconteceu como um gesto automático que ocorre frente a qualquer rosto conhecido. Não foi de forma alguma um convite para um diálogo, e essa liberdade em romper com as distâncias me irrita. Se eu fiquei afastada e não levantei a bunda da cadeira foi porque eu achei que meu lugar fosse realmente ali. Ele se aproximou com um sorriso ensaiado. Deixou a namorada ocupada com o cardápio e  começou a puxar assunto comigo, como se eu fosse o tipo de pessoa que cria uma lista de "novidades" e sai divulgando por aí. Até ele ir embora, tive de encenar aquele bom humor que nos é ensinado como sendo o mais indicado para situações inusitadas. Foi como se eu não tivesse o direito de estar em um dia ruim ou achar que ele estragou meu dia vindo falar comigo e me fazendo tirar os fones dos ouvidos. Sem pensamentos maldosos sobre eu sentir dor ou saudade ou qualquer coisa assim. Depois de um tempo, passei a ser extremamente crítica e descritiva a respeito dos caras com quem eu saía. Apelidei-os, agrupei todos em categorias: "engraçado", "drama queen", "pé feio", "só comia carne" e por aí vai. O sujeito da lancheria estava num nível médio de beleza - tinha cabelo esquisito, mas nada que uma tesoura não resolvesse. Não era de ver filme, ouvia música sem graça e falava que sabia tocar guitarra muito bem, apesar de eu nunca ter tido provas disso. Comia alface todo dia e era superamigo da mãe. Eu não estava perdendo nada ao querer ficar em paz com minhas batatas. Nem fiquei com vontade de despejar algumas palavras. Nem todo mundo merece minha atenção.


domingo, 15 de agosto de 2010

Comforting Sounds

Pegar um trem ou qualquer coisa que o valha com destino a qualquer lugar num dia chuvoso ou cinza ou simplesmente ventoso e reticente. Sentar num banco vazio, no assento próximo a janela. Tirar os fones de ouvido do bolso e começar a escutar a primeira música de uma lista infinita. E assim ser, por horas infindáveis.
Contrariar a vontade do mundo escorregando o vidro da janela de forma que o ar congelante entre. "De que adianta ser inverno se não sinto frio?!". Outrora, os dedos agitariam-se a bater nos joelhos ou a boca revelaria a canção; mas certos dias merecem mão no bolso e lábios cerrados. Olhos expressivos, mentindo estar sonolentos.
O clima é quebrado por um estranho a sentar-se no assento que sobrou. "O clima é sempre quebrado.", como se a solidão atraísse o barulho. Segundos depois, a paisagem re-ocupa o papel de protagonista. O conforto de ver mudanças sutis é incomparável, tão diferente das pessoas e suas opiniões.
Trocar a música alegre por uma mais monótona; encontrar um papel amassado no bolso. Abrir o papel e desejar não tê-lo visto. Suspirar mentalmente e olhar ao redor. Aparentemente, tudo está sempre estável. Sempre estável. E essa certeza é a maior prova do quão incertas são as coisas. "Tudo muda, ora ou outra. A agonia vem de não saber quando será a próxima vez.".
Olhar uma última vez para o papel e deixá-lo voltar para seu esconderijo: estratégia dramática e inútil de fugir das palavras. Deveria colocar no lixo todos os registros, todas as lembranças. O problema é que a memória deforma as mensagens, transforma sonhos em medo, faz a interpretação mudar de acordo com as emoções sentidas.
Sentir o corpo afundando no banco, os ossos ganhando peso, as forças se derretando. Não ter vontade alguma. Deixar a cabeça pesar sobre os ombros e fixar os olhos no horizonte. Pensamentos inquietos, silêncio e respiração arrastada. Envolver-se com o vento, deixar que gele as narinas; segurar com firmeza as mangas do casaco, escondendo as mãos.
Aumentar o volume da música, deixar as pálpebras pesarem e esquecer o mundo. Colocar um pé sobre o outro, enroscando os cadarços desamarrados. Não se importar com os fios de cabelo bagunçando-se diante dos olhos, com a boca seca, com as bochechas coradas. Não estar. E não ver o trem chocar-se com outro, que estava parado na estação. O sangue morno sobre o rosto e o papel seguro, apertado na mão fechada.


quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ex-amigos II



Tem um assunto sobre o qual venho pensando que abrange uma série de pessoas que (ainda) são próximas ou que um dia já estiveram mais envolvidas comigo. É justamente sobre essa distância que, com ou sem motivo, começa a existir do nada. Há oito anos atrás, meus amigos eram outros. Diria que uma pessoa de todas as outras permanece intocável, com seu lugar garantido próximo ao "topo da pirâmide". Sim, é claro que existe a pirâmide. Para alguns, as pessoas mudam de posição ao longo dos andares o tempo todo; para outros, a organização ocorre de forma diferente. Eu acho que tudo depende do momento em que está se vivendo, mas há uma forte influência de experiências anteriores. "Bons amigos não deixam de ser bons amigos". Não sei se essa frase poderia explicar o que eu quis dizer. Ah, é aquilo de que talvez tua colega da faculdade entenda melhor algum problema teu em função de fazer parte de uma porção da tua realidade - mas teu melhor amigo de infância não vai ser menos importante, afinal ele te conhece muito bem e tralalá.

Na real, eu estou bem confusa. No fundo, não acho que o que mate a amizade seja a famosa distância (física). De repente, isso é uma desculpa comum e é mais fácil usá-la do que encarar uma série de outros fatores. A natureza da pessoa deve ser levada em conta. Eu disse isso por um motivo extremamente pessoal e egoísta, porque eu não faço o tipo que procura as pessoas mais do que uma vez ao ano, apesar de me importar loucamente e sentir saudade e tudo mais. Eu me adaptei a ficar mais sozinha, o que não quer dizer que eu não precise ter pessoas ao meu lado. Essa necessidade é diferente da dependência - que eu considero algo destrutivo. Falei isso porque já fui bem criticada quanto ao meu jeito "não procuro lifestyle". Não estou querendo parecer teimosa ou incapaz de ceder ou mudar, coisas assim... Eu acredito que amizade verdadeira não tem isso de "cobrança", mas intimidade: confiança para entender que "tudo bem" uma pessoa procurar a outra por qualquer motivo, a hora que for, para qualquer coisa - sem medo da resposta. Mesmo que aconteça o inevitável, que os amigos já não pertençam mais à rotina como no passado, eles vão se sentir acolhidos nos poucos momentos vividos juntos. É nisso que eu acredito. Existe o estranhamento, as diferenças, as incompatibilidades de horários, de opiniões, de gostos musicais ou de filmes ou de livros. Mas o "algo maior" supre isso. É assim que deveria ser.

Encontrei uma pessoa na rua ontem e não soube, na hora, se um cumprimento seria bem-vindo. Cheguei em casa e me deparei com uma "discussão" (conversa, sei lá), que me deixou um tanto chateada. Vejo as fotos espalhadas pelo quarto e penso "oh, a fulana! nunca mais soube da vida dela", coisas do gênero. Por um lado, tudo isso me deixa angustiada. Por outro, sinto vontade de jogar tudo para o alto, de não ter mais que encarar esses fins reticentes e silenciosos. Finais... não sei até que ponto existe mesmo um ponto final. Seria mais prático, talvez, se existisse um contrato e a gente soubesse quando nossos relacionamentos vão expirar [?]. O fato é que a pessoa-que-eu-vi-na-rua me deu um oi e um sorriso amarelo, e eu fiz o mesmo. E eu estou evitando a minha discussão com outra pessoa. Acredito que isso seja considerado um defeito, apesar de eu não concordar, mas eu tenho a mania-mulherzinha de pensar que o outro deve entender o que fez de errado comigo. Se eu percebo que existe uma intenção, mas que ele não consegue entender porque eu reagi de forma negativa a alguma ação dele, eu explico, é claro. Mas primeiro existe o "reflita, ciclano". Haha, que sádico isso. Enfim, estou evitando a tal discussão porque, pra mim, a relação já estava morta e enterrada. Então, já não tenho o mesmo carinho e a mesma paciência que teria tempos atrás. Eu não preciso de mais drama do que eu já tenho - não preciso e nem desejo. E, apesar de acreditar no "perdão" e pensá-lo como algo nobre, acho que há limite pra tudo sim. Eu sou a rainha do rancor, não é tão fácil deixar tudo bem apenas dizendo "ok, desculpa" mil anos depois do ocorrido, como quem diz "tá, tá, eu me arrependo por essa coisa aí que tu disse (que eu nem lembro o que foi, na verdade), vamos voltar logo a ser o que éramos". As coisas não funcionam assim MESMO.

As fotos a gente esconde. Guarda numa caixa, mostra pro namorado, inventa uma legenda, sei lá. Elas continuam presentes, mas não tão à vista. Já esses sentimentos de "não sei o que esperar de tal pessoa" permanecem por um longo tempo, até termos certeza de que ela já não se importa. Acho que pra mim esse é o fato crucial. Não faz sentido eu me importar e não haver reciprocidade. Já não vejo isso como sinal de egoísmo, mas praticidade. O negócio é levantar a cabeça e tocar a vida. Quando se percebe uma intenção de reaproximação, existe a comoção. Existe a nostalgia, as lembranças boas (talvez mais brilhantes do que as ruins). Existe a vontade de voltar no tempo, a saudade boa. Mas aí colocamos os pés no chão e temos de encarar aquela pessoa como uma nova: ela mudou, nós mudamos, tudo mudou. Restam as tentativas de adaptação... E, nesse meio tempo, há outro fator - talvez esquecido na maioria das vezes - que é primordial: "por que tentar de novo?". Solidão não me parece um bom motivo. É meio triste dizer isso, mas acho que existe discretamente o predomínio da idéia "em que podemos ser úteis um ao outro?" - quando a resposta não parece razoável, não há acordo. Sei lá, estou confusa. Sentimental, mas tentando enxergar tudo de maneira racional. Uma coisa que me marcou muito foi o pensamento de que há uma enorme diferença entre "ser alguém" e "ser o alguém". Ok, isso vale mais para relacionamentos amorosos entre casais e tralalá, mas acho que cabe aqui também. Quero que a pessoa goste de estar próxima de mim por eu ser quem sou, não por eu ser compatível com aquela situação. E lá vou eu com a idéia de 'pessoa substituta'... Na real, o texto se transformou em algo nada neutro, o que não era a intenção inicial. Já escrevi sobre isso há quase três anos, o que me faz pensar que esse problema de se afastar das pessoas e do mundo é um tanto crônico.

"most of our lives we try so hard
to find the time
i won't care for you
like i'm really supposed to
there are things i'll do
that could really hurt you
don't you just love goodbyes?"

sábado, 17 de julho de 2010

Fuga

Não quero lidar com a dor de quem não agüenta.
Insuportável é desviar o olhar, impedir o gesto, não saber sofrer.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Impossível


ele está sempre tentando conquistar um novo eu. me vê por aí, me encontra, me ouve falar sobre as coisas que odeia. e me busca nos outros, me busca nos olhos das jovens desencontradas. ele sabe que não é a mesma coisa, sabe que, por mais inocente que seja a adaptação, a cópia nunca será fidedigna. se não sabe, é porque ele é mais tolo do que pensa ser. ora, se isso é possível!

vê a luz acesa pela janela e bate à porta. quando não sai correndo ao escutar os passos a se aproximar, ele se mantém estável, rígido, honesto com sua maldade. observa minha aparência e analisa os pontos que nos mantêm reféns de nossas inseguranças e semelhanças. depois foge, dando risada. ele tem medo até da própria sombra, por isso não olha para trás ao correr. prefere a dor do tropeço do que a ferida no orgulho.


vai e vem, foge e volta. tão alegre e destemido e dependente e deprimente ao mesmo tempo. rarefeito. mas feio. me procura como se eu fosse fácil de ser encontrada, como se eu fosse suficientemente simples e intocável. e imperfeita. mas mesmo os imperfeitos são perfeitos em alguma coisa. isso pode tornar tudo muito chato, mas contradiz o vazio. ah, o vazio. conhecido vazio. amargo.


enxerga em mim um alguém e, quando encontra um qualquer capaz de me ilustrar, descobre que a interpretação mudou. que o disfarce mudou, que as páginas mudaram, que as cores são outras. e volta a procurar na multidão a nova gravura de mim. como se eu fosse adesiva e colecionável e descartável. talvez sua dor seja essa, a de querer que eu seja finita e descartável. mas há profundidade em ser quem sou.


esse jogo de claro e escuro, de não e de quase-sim, me enoja. não sinto desejos nem desejo que ele sinta. que seja feliz, que não seja - tanto faz! mas que, seja o que for, seja longe de mim. seja fora de mim. que ele esqueça meu rosto, que se desapegue dos meus medos e fraquezas, que deixe de se fascinar com o pouco e o muito que sou. que ele deixe de se enganar ao gastar seu tempo com réplicas tortas. que ele deixe de me confundir, que pare de se perder em mim.


não há sintonia. só há drama. ele me busca e não me encontra. me encontra e recomeça sua caçada. como se já não bastasse eu ser presa de mim mesma! ele quer que eu reconheça seus gritos e lágrimas, seu arrependimento, seus feitos gloriosos. quer elogios, sorrisos, gestos plácidos. quer de mim o meu melhor, sem se preocupar com o que eu realmente estou disposta a ofertar. tolo a ponto de cegar-se diante do impossível.



domingo, 4 de julho de 2010

Traição física x Traição psicológica (x Ellen Rocche)

Eu pensei, inicialmente, em me referir às pessoas do casal como A e B e a(o) amante como C. A intenção era ficar algo bem generalizado e unissex, mas - melhorando as idéias - percebi que não acho que o amante seja um personagem irrelevante ao qual se deve ser indiferente: importa saber se A e C, segundo minha classificação anterior, são do mesmo sexo. Ok, vou tentar ser clara - talvez tudo fique mais confuso do que deveria porque eu não tenho uma conclusão formada, então não sei qual será o rumo da discussão.

Como é de se esperar, eu não sou uma fonte neutra. Não penso em "traição" com todo aquele manto de surpresa e horror ao qual muitas pessoas estão acostumadas. Não gosto muito de pensar nisso sem analisar devidamente o contexto. Não estou aqui pra julgar o código de conduta de C: penso nessa pessoa como alguém isolado do mundo. Não quero saber se tem filhos, se segue alguma doutrina religiosa, sua idade ou sua condição financeira: pra mim pouco importa quem é de fato o amante ou se esse alguém sabe que está se envolvendo com uma pessoa "comprometida" - e se, mesmo sabendo, porque mantém o relacionamento. Acho que o amante é um caso a parte, não coloco "a culpa" (se ela deve existir) sobre ele. Quem está agindo "ilegalmente" é A ou B, não C. E não é porque houve a traição que eu vou necessariamente achar que B (tá, vamos considerar B o indivíduo comprometido que comete a traição e A o indivíduo com quem B está comprometido) é a pior pessoa do universo e merece o inferno e mais um pouco, e considerar A um pobre ser humano digno de toda pena e compreensão possível.

Pode ser que o relacionamento seja formado por dois B's, não se sabe. É importante prestar atenção no contexto. Eu tenho mania de sempre pensar em crises conjugais (incluindo o fenômeno da traição) como um problema do casal e não de A ou B separadamente. O que geralmente acontece é pensar "Ah, esse B é um merda" e esquecer completamente que existe uma gama de coisas envolvidas, que não é tão simples colocar em B a máscara de vilão e vestir A de anjinho.

Sei que devo parecer ingênua ou, sei lá, muito sonhadora pelas coisas que eu digo. Eu estou considerando casos em que o casal é formado por adultos ou jovens adultos, não aquele tipo de "relacionamento" que se tem aos 13 anos. E o título surgiu de pensamentos antigos. Na verdade, muito do que estou falando deve já ter sido escrito centenas de vezes. Não busquei nada sobre o assunto para ler, queria tentar esclarecer minhas idéias bem sozinha. Sempre diferenciei, mesmo que o limite entre uma coisa e outra não fosse muito claro, traição física de traição "psicológica".

Traição física seria aquilo de B pegar alguém em uma festa ou enfim e fosse algo no estilo "uma noite e nada mais". Ou então algo mais duradouro, mas que fosse sustentado pela atração física. Beijos, sexo e nada de conteúdo. Em resumo, "sem trocas emocionais" (na medida em que isso é possível).

Traição psicológica seria algo aparentemente mais inofensivo, que não necessariamente representa o ato físico. Acho que isso é coisa de cabeça de mulherzinha, mas realmente acredito que exista um diferencial. Seria o caso de B estar com A pensando em outra pessoa, desejando estar com esse outro alguém. Pode ser algo platônico mesmo. Na verdade, a condição seria B nutrir um sentimento por C, sendo recíproco ou não.

Claro, imagino que a situação mais grave ever seria a triação física junto com a psicológica... mas caracterizo a traição psicológica pelo "desejo de estar com outra pessoa" marcado pelo sentimento. Deixo a coisa da pura atração sexual para o primeiro caso de traição.

Ah sim, penso também que deve haver um mínimo de bom senso... Tudo bem desejar a Ellen Rocche ou o Tom Selleck ou pensar que tal pessoa que passou na rua é bonita/gostosa/whatever. Não é porque se está num relacionamento que deve-se fechar os olhos para as belezas do mundo. Pelo contrário, acho que esse excesso de controle sobre a vida do parceiro acaba matando a relação aos poucos. Nada de queimar Playboy's em praça pública, sei lá. Tá, eu não vou entrar em detalhes e começar a falar sobre masturbação ou enfim. Apenas acho que cada um deve preservar sua individualidade e que, sim, é normal sentir atração física por outras pessoas. Mas não penso que é 100% justificável ir lá e pegar a Ellen Rocche, eu não disse isso. (Substituam a Ellen Rocche por outra pessoa, ela é uma exceção. Tipo um Pokémon: "temos que pegar!". Ok, parei de bobeira)

Bom, eu falei tudo isso e perdi o fio da conversa. Me sinto idosa com essas expressões. Enfim. Fato é que eu considero "traição psicológica" mil vezes pior do que a física. É que sobre a física nem tem muito o que explicar... Eu imagino que a traição física ganha toda a magnitude em função de um certo machismo, ou sei lá. O homem não vai querer admitir que teve a mulher dividida com outro homem, bem como a mulher vai se sentir um cu de feia se souber que o homem pegou outra mulher (e aí já não sei se é melhor admitir que a outra é mais bonita mesmo ou continuar não entendendo como seu princípe encantado virou São Jorge do nada). Enfim, relaciono traição física com isso: moral e auto-estima.

O que eu acho terrível na traição psicológica é o fato de a relação continuar existindo sem que B supra suas vontades. Ok, parece estranho e contraditório dizer isso. Mas, pra mim, indica final de relacionamento, aquela situação de coisa morna, em que A pode ou não estar lutando para manter a chama acesa - mas é certo que B não está, pois está dividido, não está inteiramente presente na sua relação com A.

Isso me lembrou um tópico sobre Eutanásia, em que se acentua a grande diferença entre "matar" e "deixar morrer". Na traição física, B mata A. Quer ele queira ou não. Direta ou indiretamente. A pode ver B com C, pode saber do ocorrido a partir de outras pessoas ou de B, pode nunca saber - mas o foco aqui é falar de quando A sabe de C. Trata-se de uma ação muitas vezes impulsiva e insignificante, "instintiva". Mas B mata o relacionamento. Com isso, não quero dizer que "não há perdão" ou que necessariamente esse seja o "fim" do relacionamento entre A e B. Enfim, marca o conflito. Como vão resolvê-lo já é outra história. E, mais uma vez, gostaria de deixar claro que não atribuo uma culpa a B sem antes analisar o seu contexto.

Na traição psicológica, B deixa a relação morrer. Acredito que isso traga mais sofrimento para A e B. Para A, porque essa pessoa pode notar o distanciamente de B sem entender o porquê, coisas assim. Para B, porque existe um receio em se afastar de A ou de comentar com A o que está se passando.

Na traição física, B pode preferir não falar de C para A porque pensa que não vale a pena comprar uma briga ou causar um sofrimento a A, uma vez que a situação com C foi puramente física - não houve, a princípio, mudança visível na postura de B com A.

Na traição psicológica, seria o contrário. Ou não. Já nem sei. Na real eu começo a pensar nessa diferenciação e acabo embaralhando meus pensamentos. Acho que vou deixar isso assim, meio inacabado, e ver no que dá. Outra hora continuo.


________________________________________

Ah tá, lembrei o que eu queria discutir. Vi hoje um caso na televisão sobre um homem casado com uma mulher há oito anos. O casal tem três filhos, dos quais o homem não que se afastar de jeito nenhum. E ele ama sua esposa, ama muito. Ele nunca a tinha traído, porém, de  poucos meses atrás pra cá, ele tem saído com travestis escondido da mulher. Não está em jogo a sexualidade dele (antes que todo mundo resolva dizer "ai, ele morde a fronha" e achar que essa é a conclusão da história), mas a questão da traição. Chegou-se ao consenso, no debate, que ele deveria conversar com a esposa por respeito a ela e como sinal de que, ok, ele confia nela para resolver seus conflitos. Isso diz respeito a uma questão pessoal dele, a um gosto, uma particularidade dele, mas o problema é do casal. Nesse exemplo, pra mim fica muito clara a diferença entre traição física e psicológica, uma vez que o homem vai atrás dos travestis porque sente atração (e, nesse caso, não há nada que a mulher dele possa fazer - além de comprar um consolo e tentar a sorte), mas tem suas demais necessidades supridas pela esposa, pela família que ele ama. Não está em jogo também "o que é amar". Se ele diz que ama, ele ama. Enfim.


segunda-feira, 21 de junho de 2010

Disarm



Eu falo muita abobrinha e me arrependo depois. Tá, não me arrependo porque faz parte do meu código de conduta não me arrepender... (eu penso que, uma vez que eu tento agir do melhor modo de acordo com o que a situação me oferece, é bobagem me arrepender de alguma escolha: a visão depois de ver as conseqüências pode ser diferente, mas isso não significa que eu não tenha feito o melhor que poderia) mas, enfim, a gente repensa e se acha um merda por dois minutos. E daí começa a ver que amadurecemos e que isso é bom e por aí vai. Por outro lado, às vezes me faz bem ver que eu não mudei tanto assim, que consigo encontrar um chão em mim mesma. Tava relendo umas coisas aqui e, sei lá, gostei disso e de umas outras coisas. Fiquei lendo por cima uns contos do Salinger que eu nunca li - pra dizer a verdade - e me senti meio que em uma música dos Smashing Pumpkins. Eu estou com aquele medo que me impede de querer pensar nas coisas. Eu não acho que, hoje, daria certo com alguém que não soubesse me entender musicalmente. Já levei isso menos a sério, mas - com o passar dos anos - percebi que a única coisa que se fortaleceu mesmo, sem descer um pouquinho que fosse no gráfico-das-coisas, foi a necessidade de ter sempre presente alguma melodia. O bom das músicas instrumentais é que elas te deixam absolutamente livre para sentir o que quiser - acompanham a dor mais aguda e a alegria mais infantil. Em tempos de extrema movimentação, de mudanças estranhas, eu tendo a ficar mais afastada das pessoas. Mas é aquilo: estou fora de casa, mas usando os malditos fones de ouvido. E sou receptiva às músicas alheias. Cada música tem sua história, tem seu sentimento. Acho importante ouvir os outros e entendê-los a partir do que eles escutam. Fiquei viajando com aquela cena de "Ensaio sobre a cegueira" em que os cegos sentam em volta de um radinho e ficam em silêncio ouvindo a música. Às vezes, espero o dia todo pelo momento de voltar pra casa e escutar aquele som tão necessário. Talvez essa seja uma das poucas coisas das quais eu realmente gosto mas que não faço questão de "entender". Ah, não se trata de negar conhecimento, mas gosto daquela cena clássica de deitar na cama e esquecer do mundo. Não me vejo compondo alguma coisa. O que eu faço é mecânico. Eu crio mundos para fugir para outros lugares quando acho necessário, mas sei que a minha escrita não passa de ficção. Música não, música existe. Ok, não quero tornar meu monólogo repetitivo. O fato é que, "velha" como estou hoje, acho que não toleraria uma aproximação maior com alguém que desconhecesse Holden Caulfield ou que ficasse indiferente ao ouvir "1979". A gente cresce e vai ficando cheio de manias. Acho que tenho direito em fazer minhas exigências silenciosas. E tenho refletido sobre antigos traumas e coisas assim. Acho que imortalizar conhecidos em histórias é uma das coisas mais cruéis de se fazer. Não gostaria de abrir um livro e me ver ali estampada com uma visão unilateral e um tanto romantizada de mim para a ficção. E ler sobre meus defeitos, então? Por outro lado, acho que isso é válido no mundo da música. Sou daquelas que acham que uma música não tem dono. Enquanto os livros ditam o que será, as músicas sugerem. Mais uma vez eu não sei porque estou falando disso. O fato é que estou confusa com antigas agressões passivas e com a metamorfose pela qual estou passando.



segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ivycetera.

O que mais me incomoda é que o sofrimento pode ser simpático à medida que nos identificamos ou nos acostumamos com ele.

Acabei de ver dois documentários sobre transtornos alimentares, seguidos de um programa que pareceu ser tão contraditório: depois de tanto blablablá sobre a compulsão pelo emagrecimento, mantida pela atmosfera doente que elegeu um padrão para a beleza, resolvem mostrar crianças obesas da geração fast food. Sei lá, não me pareceu nada anormal à primeira vista, mas - depois de ficar uma hora e meia ouvindo especialistas falando sobre "tirar o foco da comida" e cuidar as mensagens que são transmitidas pela mídia e pelos pais às crianças e aos adolescentes - o acontecimento parece realmente irônico. É realmente difícil desassociar saúde de uma determinada forma física (geralmente, o tal padrão de beleza). As revistas vendem essa imagem como uma verdade a ser buscada. E tudo nisso é ridículo. Enfim.

Eu estou tentando buscar na faculdade assuntos que realmente despertam meu interesse. Sabe, fazer algo que se quer já é meio caminho andado para o "fazer bem feito"... Tive a sorte de encontrar pessoas muito interessadas em estudar transtornos alimentares. E também entrei para uma pesquisa sobre "violência conjugal". Por enquanto, foram realizadas várias leituras sobre as formas de conflitos maritais e como elas afetam os filhos e etc. Quem conviver comigo por tempo razoável vai perceber que eu sou meio que obsessiva (não sei se o termo é "obsessiva", estou meio away para pensar direito) por isso de separação de casais... tanto no plano "pais e filhos" quanto no plano mais individual da coisa. O terceiro assunto que, a príncipio, mais chama minha atenção seria o tema da sexualidade. E sexo em geral, enfim. Tudo está relacionado. Mas aí eu prefiro buscar conhecimento através das minhas fontes - é difícil eu concordar com várias das afirmações que escuto, acho que não suportaria tanta diferença "voluntariamente". Haha.

Quanto a isso dos transtornos alimentares, comecei a me interessar à medida que eu comecei a questionar se meus hábitos alimentares eram normais. Normais, bem essa a palavra. Eu me assustei com a forma brusca com que eu mudei. Acho que isso faz parte da chegada da adolescência, mas ainda assim achei muito "do nada". Num dia você não tá nem aí, no outro pensa "ok, talvez eu devesse me preocupar mais com minha aparência" e, no terceiro, sai que nem louca perguntando ao mundo se está gorda. A própria pergunta já uma auto-afirmação, todo mundo sabe disso. Ninguém se importa se a resposta é sim ou não. Claro, ouvir um sim é pedir pra morrer (e levar a pobre criatura sincera e cretina junto), mas... Enfim. Eu olhava os sites 'pro-ana' e pensava "ai, essas meninas são tão toscas, só querem ser escravas da moda, blablablá". Depois, você tenta entender o assunto e se depara com uma realidade extremamente cruel. Ok, essa forma de deterioração me interessa e muito.

Não sei porque fiquei falando essas coisas. Na verdade, estou guardando minhas palavras para o papel. Não sei, estou cautelosa e sensível. Talvez eu esteja sentindo a mesma solidão do início do ano passado. Mesmo sabendo que meus amigos estão aqui, sinto que existem barreiras estranhas entre nós. Estou mais "paulista" do que nunca. É assim que eu chamo essa vida de "não tenho tempo para nada". E o pior é que quanto mais eu tento romper com isso e mostrar pra mim mesma que é frescura mais eu percebo o quanto isso é concreto. É um tanto triste isso. É meio vazio, se você for pensar. Eu deito na cama respirando "o que eu tenho que fazer amanhã de manhã" e, semana após semana, começo a me esquecer da última vez em que eu vi ciclano ou coisas assim. Ivy, você é uma pseudoadultinha agora. Enquanto isso, eu fico gripada. E só Deus sabe o quanto eu fico emotiva nesses momentos. Não suporto me sentir impotente. Ok, chega de falar de mim.



Sobre preconceito com homossexuais. III

Nossa, foi realmente produtivo discutir sobre sexualidade. Eu tenho muito mais a ouvir, talvez algo mais a dizer. Para mim é extremamente importante essa troca, e as diferentes visões sobre o tema me fazem refletir tanto. Eu começo um assunto com algumas crenças e, no final, acabo vendo que nem tudo funciona da maneira como eu imagino. Pretendo continuar com isso. Fiz um curso recentemente que não tem nada a ver com sexo, mas me fez querer pesquisar as representações sociais feitas sobre o mundinho GLBTT (ok, não importa a ordem das letras). Enfim. Fico realmente feliz de poder conversar sobre essas coisas. E agradeço às pessoas que, através do blog ou de outros meios, têm me ajudado a amadurecer minhas idéias.

Ok, vou fazer uma big pesquisa e depois volto ao tema. =]

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sobre preconceito com homossexuais. II

          Primeiramente, vou deixar aqui um link para um texto muito bom sobre a temática homossexual escrito por uma amiga. Na verdade, acho que não tenho muito a dizer nesse exato momento. O post anterior rendeu comentários interessantes e, nos últimos tempos, tenho pensado mais do que o normal sobre o assunto.
          Eu não sabia da distinção entre homossexualidade e homossexualismo. Ok, presume-se que palavras diferentes tenham significiados diferentes, mas igual eu nunca busquei saber a hora adequada para dizer uma coisa e outra. E, me conhecendo bem, sei que tratarei as duas como sinônimos ora ou outra. Quanto a isso, deixo aqui outro link. Nesse texto, fica exposta uma coisa que eu não gosto: os mil e um cuidados a mais para com pessoas vítimas de preconceito - uma forma exagerada de tentar eliminar o preconceito de tudo o que pode ser "moldado" pelas mãos humanas, restando "apenas" a parte da conscientização (que depende muito mais do indivíduo do que das forças externas). Talvez eu mesma faça uso dessa tática. Ainda que sirva como um instrumento de preparação da sociedade "para o futuro", não deixa de ser uma forma de enfrentamento um tanto passiva. É utopia pensar que tudo vai mudar em um segundo ou dois a partir da adoção de um novo vocabulário que deixa de fora certas injustiças. Há um tempo atrás, encontrei na internet uma cartilha com instruções de como devemos nos dirigir, por exemplo, a um travesti. Eu realmente não acho que um artigo, dizer "A travesti" ou "O travesti", vá fazer muita diferença. Mas aí são outros quinhentos... Em resumo, como a Marianna disse, homossexualismo implica doença.
          A questão do orgulho - eu disse que achava "desnecessário" ou algo assim o orgulho da sua sexualidade - foi criticada por uma amiga. Segundo ela, "o orgulho gay não vem do fato de tu ser gay, mas de sentir-se bem contigo e ter conseguido se assumir para todos, mesmo sabendo que há muito preconceito". Disse ainda que "é impossível ter orgulho de ser heterossexual, pois, teoricamente, todos nascem assim". Na conversa, afirmei que, para mim, esse "orgulho gay" seria isso de se assumir, mas que a idéia de orgulho parece envolver um sentimento de superioridade (é ele quem eu reprovo). Ela seguiu falando sobre como todo dia esse "assumir-se" é constante. "Todo dia tu se assume de novo, quem é gay está sempre saindo do armário (quando vai em um lugar novo, conhece alguém, etc.). [...] O orgulho vem de algo que é difícil de ser feito, e pronto: tu gosta do resultado e de como o trata. É como tu ter orgulho da tua vida". Eu entendi o que ela quis dizer e, dentro do possível, acho que entendo bem esse "assumir-se diariamente". Meus amigos mais próximos não são heterossexuais e pude ver de perto as dificuldades encontradas. Discordo da parte do "não-orgulho heterossexual". Se existe um, existe outro. É como fazer uma "Parada Gay" (tá, o nome não é bem esse, mas é assim que eu costumo chamar) e proibir uma "Parada Heterossexual", por mais que a idéia de realizá-la pareça um tanto infantil. Eu não simpatizo tanto quanto poderia com essas manifestações pois, como um amigo meu disse, "elas esfregam na cara do preconceituoso o objeto por qual ele tem preconceito". Não acho que isso seja 100% positivo. Acredito até que contribui para a formação de um estereótipo exagerado. Tudo bem que, nesses eventos, o público costuma ser numeroso e diversificado, mas penso que a imagem que fica guardada é a da minoria que se expõe em carros e fantasias e etc. Eu não penso que isso seja necesariamente uma imagem negativa - pelo contrário, viva a liberdade! -, mas já imagino pessoas mais conservadoras utilizando-a para justificar seu preconceito para com todos os não-heterossexuais. Enfim.
          A pergunta que eu considero mais difícil e polêmica e originadora de idéias deturpadas é justamente a que o Roberto fez, a da escolha: "É uma escolha? Ser "hetero", "bi", ou "homo" é uma escolha?". O que eu penso é que a escolha está em adotar um comportamento "fiel a sua sexualidade" ou não. Eu não escolho sentir atração por um sexo ou outro (ou os dois), mas, ao saber qual é a minha orientação sexual, decidir se vou ou não "me moldar" ao meu desejo. Esse "me moldar" soou como algo ruim, mas não era pra ser. Como é frisado no texto da Anita, é muito difícil o processo de libertação do que é esperado socialmente, na família, com pessoas próximas. No contexto do que eu disse, esse "moldar-se" se refere a assumir para si mesmo a sua sexualidade e tomar alguma atitude quanto a isso. Eu sinceramente desprezo qualquer teoria de que tal gene pode ser influente no comportamento sexual... soa como "tornar doença" a não-heterossexualidade. Enfim, sou resistente nesse ponto: a ciência não pode ter a pretensão de controlar minha subjetividade. Acredito que a ação de reconhecer-se como não-heterossexual tem influência do ambiente, da forma como a pessoa se relaciona com as outras, de seus pensamentos construídos a partir da crítica aos valores familiares e da sociedade como um todo, enfim. Pode parecer um tanto contraditório o que eu digo... falo em sentir atração pelo sexo oposto (num sentido extremamente físico), mas busco justificar isso com o entendimento do papel da pessoa dentro de sua família. Reluto ainda em aceitar a idéia de que existe uma predisposição para a pessoa se tornar gay ou enfim. As pessoas são mais complexas que isso, mais complexas do que a interpretação de um gene ou de um determinado fato ocorrido na infância. Acho engraçado como a não-heterossexualidade não é  vista como natural.

sábado, 1 de maio de 2010

Sobre preconceito com homossexuais.

Estou escrevendo motivada pelas observações que venho fazendo principalmente de meus colegas de aula. Na última semana, em especial, este assunto provocou uma série um tanto maior de comentários desprezíveis. Uma palestrante falava sobre homens terem um inconsciente feminino e mulheres terem um inconsciente masculino, algo do gênero. Uma menina perguntou como isso se dava "no caso dos gays". Não achei nada de mais a pergunta,a não ser pelo fato de que eu achei que ela queria dizer "pessoas que desejam mudar de sexo, pois não se enquadram psicologicamente e enfim no corpo em que nasceram". Mas tudo bem. Depois, lembrei de outra colega, que tinha a concepção de que os homossexuais, além de "serem assim em função da genética", eram, na verdade, homens que desejavam ser mulheres e vice-versa. Não podendo ter o desejo atendido, essas pessoas se comportavam como pessoas do sexo oposto e, assim, "como esperado", sentiam atração do modo heterossexual (e, logo, praticavam seu homossexualismo). Notei que os exemplos dados pelas pessoas geralmente são masculinos e que esses homens figurados são exemplos bem porcos de um estereótipo de homens extremamente afeminados, como se todos os gays se restringissem a essa imagem. A resposta da palestrante me satisfez: "isso não varia conforme a sexualidade, mas conforme o gênero. E só. Homens homossexuais ainda são homens." - claro, não foram essas as palavras exatas, só a mensagem. E essa pergunta deu início a uma agitação em considerável parte da turma (parecido com quando se fala de futebol), em especial aos meus colegas do sexo masculino. Já não são muitos, mas os que se fazem presentes parecem carregar o preconceito de todo um mundo. Sem exagero. Acho que minha maior crítica seria aos estudantes que não se esforçam para cumprir bem sua tarefa profundamente. Tenho que ter cuidado ao dizer isso, pois não compreendo bem os religiosos e costumo não ter paciência com homofóbicos. Falha minha. Religião eu respeito, mas homofobia é algo que eu não entendo e nem vejo razão para tal. É frisado durante o curso de Psicologia que, diante de um caso que não nos achamos capazes de cuidar, repassemos o paciente para outro psicólogo. E eu meio que torço para os meus colegas terem essa atitude. Torço mesmo. Tudo tem limite: brincadeira é brincadeira quando não se torna ofensiva. E, sinceramente, o que me incomoda mais é que não consigo levantar nenhuma hipótese plausível para explicar essa aparente perturbação que a idéia do homossexualismo traz a alguns, a não ser pensar que os homens que se afligem com isso não estão seguros de sua sexualidade. E não vejo problema nessa insegurança: o problema está em descontar isso nos outros. Ouvi de um colega, no ano passado, que sua repulsa estava no fato de que a função do sexo era a reprodução e que, assim, a relação sexual homossexual violava esse fim. Acho estupidamente ignorante essa afirmação. Camisinha pra quê? Pílula pra quê? Enfim. Estamos no século vinte e um! Nunca se valorizou tanto o orgasmo feminino. As revistas incentivam a masturbação, diversas fontes explicam melhores e diferentes formas de obtenção de prazer. É só ligar a tevê à noite e ver o quanto foi enriquecida a idéia de relação sexual. Sexshop, Kamasutra, pompoarismo, whatever: quem ainda pensa que o sexo é mesmo para procriação? Ah, fala sério. Conversei com minha psicóloga e ela vê a homofobia como conseqüência de uma experiência (homossexual) não resolvida ou reprimida. E isso não necessariamente quer dizer que um cara quis beijar outro: eu acho um tanto irônico os homens não buscarem prazer em todas as suas zonas erógenas durante a relação (mesmo heterossexual). Bunda, ânus, períneo, próstata: farinha do mesmo saco. E, mais do que evitar "sentirem-se agindo como homossexuais", essas pessoas parecem ter a necessidade de zombar de quem se mostra diferente. Seria isso necessidade de autoafirmação? Há superioridade em ser heterossexual? Eu sou contra o orgulho, seja qual for a respectiva sexualidade a ele aliada. Orgulho gay não me diz nada, nem hetero, nem bissexual, nem nenhum. E não vejo sustentação na afirmação de que os heterossexuais constituem a maior parte do todo. Se fosse para chutar, diria que os bissexuais formam a maioria (e não, não penso que "toda mulher é bissexual", como insistem certas teorias - penso que os homens foram educados a competirem entre si e esconderem suas emoções). Me preocupo com a forma com que esse tipo de preconceito é escancarado e fortalecido à medida que poucas vozes agem em resposta. Aliás, eu não compreendo essa falta de respeito, que faz com que não-heterossexuais tenham que se mobilizar para provarem que não são extraterrestres, nem inferiores, nem aberrações ou qualquer coisa do tipo. Na verdade, eu acho ridícula qualquer imposição que implique "provar" algo para alguém - começando pela ação de julgar as pessoas como culpadas, fazendo com que elas justifiquem sua inocência. Dessa perspectiva, os homossexuais são vítimas. Mas pretendo não insistir nisso. Não são "coitadinhos" como pensa a minha colega. O papel de homossexual na sociedade ainda parece absurdo: deixa-se de lado o indivíduo e centra-se na parte sexual. Como se tudo o que ele fizesse da vida fosse sexo, e de forma pecaminosa. Não falarei de Catolicismo... que interpretem como quiserem a mensagem do "Salvador", mas que sejam coerentes e não permitam mesmo o uso da camisinha (meu problema quanto a religiões está relacionado com essa modernização ausente ou presente de certas crenças) - afinal, "sexo é para reprodução" e toda forma de prazer deve ser proibida. Enfim. Sei que futuramente terei problemas em relação a esse assunto: não me farei entender e não estarei aberta para críticas. E acho lamentável que, na profissão que eu vou seguir, existam pessoas com idéias mais do que ultrapassadas e ignorantes. 

sexta-feira, 30 de abril de 2010

"Quando somos comuns"

Sempre quis escrever isso, mas o Fabrício Carpinejar foi mais rapidinho (ah tri). :)
" Todos os amigos serão unânimes: não fique com ele. Não sou o primeiro que pede conselho, muito menos tenho a pretensão de ser o último. Mesmo com o desânimo decidido dos próximos, permanece buscando uma resposta. Não aceita que o digam para esquecê-lo, para começar outra história. Sua insistência indica que já tem a solução, apenas quer um fiador.

Eu me candidato ao posto. Você já o perdoou pela traição com sua amiga. Consumiu uma catarse emocionada e justa, com palavrões, lembranças arremessadas e ofensas. Cumpriu o trajeto mais complicado. Mas não permite a reconciliação porque não se desculpou ainda. E talvez não consiga se perdoar por se sentir burra e tola. Pensa que a infidelidade é algo contra você. Guarda a convicção de que ele fez de propósito, para humilhá-la.

Não é isso, ele a traiu simplesmente em função de um desejo e atração por uma segunda mulher. É mais uma afirmação narcísica. Cuidado, não pretendo aliviá-lo da terrível falha no relacionamento, e sim fornecer um ponto de vista diferente, de que a traição não significa vingança ou traduz represália. Apesar do envolvimento pessoal, a infidelidade é o mais impessoal dos erros.

Acredito que se enxerga mesmo como planeta girando em torno do sol. Quem é enganado é o centro do mundo. Carrega a miragem de tudo o que ele pensa ou deixa de pensar é para atingi-la. Continua confiando que ele reage às suas fantasias, quando na verdade nem deve conhecê-las. Expulsar um amor da imaginação é mais dolorido do que tirar um filho do ventre. Sabe o que faltava? Que ele fosse sua invenção. Infelizmente, é real e não partiu de sua carência.

Confessa que não tem título nenhum: “não sou namorada, não sou amante e não sou amada, não sei o que sou para ele”. Mas age como namorada, amante e amada, obedecendo a uma representação bem definida. Ele foi avisado do compromisso e de sua necessidade? Ou está esperando que ele transcreva seu pensamento e siga o script? De repente, o sujeito não alcança a gravidade de sua percepção. Nem deve entender o que anseia.

Durante o namoro, temos que matar nossa companhia para aceitar que ela possa se manifestar do seu jeito. O que explica a carta de tarô. Não precisa repeti-lo - permita que ele a complete. O aprendizado é delicadamente rude.

Está ferida pelo amor público, por aquilo que ele não demonstrou aos outros - não tanto pela saudade da história que construíram. Não descobriu apenas que é um homem comum, o baque é que se viu tão comum quanto ele. Não a valorizou e glorificou como gostaria, como sonhou desde a infância.
Sua cicatriz vem de um romantismo descumprido, de uma idealização arruinada. Ele não é o melhor para você, é o necessário no momento para desafiar suas próprias limitações e condicionamentos.

Tentaria novamente. Opção cômoda é sofrer e aceitar, resignada, a separação onde não começou a união. Insistiria uma vez, duas vezes, até cansar de projetar o passado na tela de seu quarto. "

quarta-feira, 28 de abril de 2010

The Magnetic Fields.

Eu meio que me apaixonei por Magnetic Fields. Recomendo muito! E também recomendo "Doze homens e uma sentença" (o original) para os que ainda não viram. Usei esse ar de autoridade, mas eu vi há umas duas semanas na aula. Ok, sem fraudes. Algumas pessoas deixaram comentários aqui ou me procuraram aleatoriamente, estou devendo respostas (como sempre). Mas gostei bastante disso e tal. Eu vi uma edição de "Nine Stories" do Salinger que saiu com o nome de uma das nine stories, não com o título original. Eu fico meio irritada com essa mania de pegar uma obra de um artista e escolher o que é, de fato, importante. Eu tendo a gostar mais das coisas menos famosinhas. Talvez por eu ser meio implicante... mas eu vejo uma lógica nessa teimosia. E essa mania me faz pensar numa cena do início de "Sociedade dos Poetas Mortos", em que o professor novo mostra o quão ridículo pode ser tentar classificar um poema e compará-lo com outros a partir de um gráfico besta. Eu acho que me choco, às vezes, com o "excesso de racionalização" das coisas. E considero meio ofensivo esse vício por estereotipar tudo. E também acho desnecessário transformar tudo que é livro em filme. Mas aí eu reconheço que é exagero mesmo. Enfim, não pretendo mais falar nisso. Todas as referências que usei sobre esse assunto devem ter sido sobre tentar reproduzir "O Apanhador no Campo de Centeio" (ou trechos dele). Ou Harry Potter. Mas Harry eu até entendo. O que me irrita na saga Crepúsculo (ok, não sei se o nome da "saga" seria bem esse), entre outras coisas, é a pretensão de romantizar tudo. Eu falei romantizar no sentido de usar eufemismos e querer colocar casais apaixonados em todos os contextos. Eu sei que o amor não sai de moda e essa coisa toda, mas sei lá. Eu prefiro coisas mais unissex... Prefiro livros que pareçam agradar mais garotos e garotas, simultaneamente. Não quero julgar o jeito que os livros foram escritos, mas sei lá... Esses livros "para garotas" tendem a ser ótimos de ler, mas são tão vazios. Não creio que eu viva minha vida em função de roupas e "meninos". Eu sei que é isso que alimenta a vontade de ver o final previsível dessas histórias, mas eu não suporto esse clima comum de amor platônico ou impossível. Ok, empecilhos... Dificuldades são necessárias. São bem-vindas e talvez realmente tenham grande importância no conjunto da conquista ("conjunto da conquista", Ivy?), mas eu sou mais a favor de dilemas mais instrospectivos, de problemas mais subjetivos e menos generalizáveis. As relações humanas são tão ricas, não entendo como as barreiras físicas sempre (sempre!) servem de exemplo para as histórias. Gosto de tentar entender o sentimento de "incapacidade" (no sentido de "impotência" mesmo, daí sim algo geral e não tão pessoal), só me incomodo com a freqüência com que isso é exposto como conseqüência de eventos externos ao indivíduo. Isso me lembrou de um texto que eu achei num marcador de páginas, há mil anos atrás, na praia. Eu gosto de como ele me faz pensar o quanto uma pessoa é diferente das demais a partir de suas motivações, suas fraquezas e enfim. E o quanto estamos sujeitos a coisas que parecem contradições, mas que não necessariamente são - depende da visão de cada um sobre o assunto. Quanto a isso, falo especificamente do trecho "não me interessa se a história que você me conta é verdadeira. Quero saber se é capaz de desapontar o outro para se manter fiel a si mesmo. Se é capaz de suportar uma acusação de traição e não trair sua propria alma, ou ser infiel e, mesmo assim, ser digno de confiança.". Vendo esse texto, vejo que se passaram muitos anos e a minha admiração por essas palavras persistiu. Espero não ser nem parecer ser um poço de oposições. E paradoxos também não ajudam muito. Em todo o caso, música boa é sempre uma grande companhia. Escutem as 69 love songs de Magnetic Fields, vale muito a pena. É um som empoeirado e calmo e relativamente bonito e sonolento. Nebuloso. Acho ótimo.

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