quarta-feira, 26 de março de 2008

Heartfixers.

"- Você não precisa me prometer coisas.
- Tá, mas eu quero. Não se preocupe, você não está me forçando a fazer nada.
- Eu sei, eu sei que não estou. Só que eu não quero as suas promessas como lembrança.
- Hey, que papo é esse?
- Ahh, não me leva a mal. Nós vamos ficar muito tempo separados, não quero que você se sinta preso.
- Preso? Eu me sinto bem. Vou sentir saudade, só isso.
- Exatamente. Saudade. Você vai estar carente, é natural que sinta vontade de estar com alguém.
- Eu vou querer estar contigo.
- Eu sei, só que eu não vou estar do seu lado... fisicamente, você sabe...
- Tá, mas eu quero estar contigo. Eu não disse 'com uma garota', eu disse 'contigo'.
- Você vai pensar besteira se eu não te ligar algum dia, vai me achar grossa se eu estiver com voz de sono, logo vai concluir que nossa relação mudou... e, então, existirão muito mais atrativos pelo mundo do que aqui, comigo.
- Puxa, tudo isso é pessimismo?
- Eu vou entender se você quiser experimentar com outras pessoas. Sabe, você vai estar num outro país, vivendo algo totalmente novo. Você pode ser quem você quiser, não precisa chegar lá de aliança.
- Isso é vontade de terminar comigo e partir pra outra?
- Não. Só estou mostrando o meu não-possessivismo.
- Você pretende ficar com outras pessoas enquanto eu estiver fora?
- Não planejo nada. Você sabe o que eu penso. Só não quero que você se sinta preso e infeliz por algo que um dia te deixou aparentemente bem.
- Aparentemente? Não acredita que eu esteja feliz?
- Eu não disse isso. Olha, serão meses... você pode encontrar uma pessoa mais legal por lá, pode conseguir um emprego maravilhoso, nunca se sabe...
- Então seus planos de me visitar e talvez ficar lá de vez nunca aconteceram?
- Eu só quero dizer que prefiro deixar tudo acontecer como deve ser. A gente vai acabar se machucando, mais cedo ou mais tarde.
- Então isso é um adeus?
- Não. No máximo um "até logo". Eu quero que você aproveite tudo o que puder e depois volte pra mim, se ainda quiser. Prefiro que a gente deixe tudo esfriar agora, de um jeito meio rápido. É melhor do que viver aquele sadomasoquismo lento que é a ruína de um casal...
- Ótimo. Perfeito. Brilhante, cara. A minha viagem dos sonhos virou uma passagem para a dor de cotovelo. Pelo menos vamos estar longe um do outro, não nos cruzaremos pelas ruas...
- Você aceitou bem rápido para quem não queria me perder.
- Acho que já te perdi há muito tempo, porque nunca te ganhei totalmente.
- Realmente. Eu não pertenço a você.
- Você fala isso com essa cara deslavada? Ah, pára...

E então ele foi embora, pensando que eu era algum tipo de garota malvada. Dessas que acabam contigo num momento de fraqueza, algo assim, foi o que ele disse. Não, não era o amor da minha vida, se é que isso existe. Foi melhor assim. Talvez um dia ele perceba que fiz isso porque gostava dele e não queria ver a relação esfriar gradativamente, sabe, como conseqüência de coisas que não poderíamos mudar, pois não estavam ao nosso alcance. No fundo, não foram muitas as lágrimas. Eu falo isso porque já imaginei como ia acontecer, sabe, o famoso momento da decadência, onde você tenta salvar tudo antes que a coisa naufrague totalmente. E eu penso que, se você sabe que vai acabar, não vale a pena investir. Talvez seja um pouco de conformismo, mas eu acredito que muitas vezes o tempo não gasto vale mais do que alguns momentos de delícias de casal. Me disseram que sou meio estraga-prazeres, meio frustrada. Mas acho que qualquer um agiria do mesmo jeito estando no meu lugar. O que eu quero dizer é que existem pessoas, heartfixers, que acabam se passando por heartbreakers sem querer. Ok, soa pretencioso da minha parte assumir uma postura angelical, mas a idéia é mostrar o outro lado da história. Na maioria das vezes, heartfixers (consertadores de corações, observe a breguice) são uns ferrados. Em outras palavras, eles lutam com as memórias dos ex-casos alheios, auxiliando com o ombro e a mão-amiga e, porque não, a boca. Num dia você está se lamentando pelos cantos, no outro alguém legal te arrasta pro cinema, para alguma festa, para longe das suas dores. Quando a novidade se insere no cotidiano e as coisas fluem, pode ser que ocorra algum afeto entre você e a sua grande amiga heartfixer ou coisa assim. Tudo bem, não preciso ser mais clara: as pessoas tendem a gostar de quem cuida delas, isso é fato. Não é um crime desejar se sentir bem. O problema ocorre quando a relação de compreensão e carinho se transforma num parasitismo. Os heartfixers, quando não são arremessados para o lado obscuro dos finais felizes, resolvem tentar consertar o novo relacionamento do seu (agora mais-que-amigo) ex-fossento (indivíduo que está na fossa). Acabam por tomarem as dores de todo mundo, mais uma vez, ficando com o terrível papel de vilão da história de amor. Vilões são sempre legais até a hora em que se metem com sentimentos, é essa a visão geral. Como eu mostrei, eu tentei consertar as coisas, oferecendo liberdade. Não pensava realmente em beber todas e acordar com um estranho pelado do meu lado, nem ter ataques de ciúme via-telefone ao ouvir sobre uma nova colega ou algo do gênero. Os caras têm mania de oferecer um pedaço de si, um coração destruído e esperar que eu conserte e devolva em bom estado, sem sequer perguntarem se eu preciso de qualquer coisa, um café que seja. Eu não sinto remorso, não sinto remorso. Talvez não devesse reclamar tanto, afinal nunca me entrego mesmo. Não em uma relação onde eu veja a linha do fim. Nunca vivi nada que parecesse realmente infinito. Mentira, vivi sim. Mas isso não me causou dores, não me fez mais amarga, nem heartbreaker. Talvez eu devesse aproveitar mais minha liberdade e não me sentir tão parasita de almas perdidas."



segunda-feira, 24 de março de 2008

The world upon your shoulders.

"Eu não sei se foi uma boa idéia ser totalmente sincero naquele momento. Quer dizer, sua garota está ali, te olhando com aquela cara de choro, te enchendo de perguntas, você vai ficar parado e fingir que nada aconteceu? Esperar as coisas transbordarem de novo? Eu li em algum lugar isso de transbordar. Sabe, esperar a água chegar na borda do copo não é nada bom, nada bom. O pior de tudo foi tentar explicar que não era culpa dela. Eu acho um saco esse tipo de assunto, mas é uma coisa que depois de um tempo se torna inevitável. Na verdade, eu acho uma atitude meio inconformada não aceitar algumas verdades... se eu falo que a culpa é minha, ainda que eu não tenha exatamente errado, é porque eu estou assumindo esse peso. Não é para me sentir punido e livre de maiores conseqüências, pelo contrário: como eu vou reclamar da pequena se ela não cometeu um mísero deslize? Com que cara eu vou me olhar no espelho depois? Ainda dei sorte, porque a minha realmente não era daquelas frescas que criticam tudo... eu gostava dela, gosto dela. Se eu dizia coisas bonitas não era da boca pra fora. Quer dizer, eu não sei porque as pessoas têm mania de achar tudo uma mentira, sendo que você está contando toda a verdade e, enfim, elas estavam lá para ver sua expressão, sabiam como você estava feliz e essa coisa toda. É muito drama para uma situação só, já não basta o final mesmo ainda precisam colocar mais pilha na história. A moral é chorar mais, ganhar mais atenção? Eu acho isso deprimente, desprezível. Se alguma garota aprontava comigo eu fechava a cara, ficava irritado e me sentindo um fracassado, é claro, mas guardava pra mim. É o tipo de dia que você realmente não precisa da pena de ninguém para te incomodar... Então aconteceu o que eu não esperava: ela disse que tudo bem, que já tinha arranjado outra pessoa para ir numa festa lá que ela queria tanto ir. É o tipo de coisa podre de se ouvir, sabe, te deixa nauseado. Você ainda gosta da pequena, gosta mesmo dela. Só quer se ver livre desse laço emocional... quer dizer, às vezes, a gente precisa tomar atitudes egoístas, até mesmo para o bem dos outros. Ela não ia querer estar comigo quando eu fosse pra guerra ou uma coisa dessas. É melhor mesmo ver outra pessoa cuidando dela, mas isso depois de um tempo... eu sei que eu deveria ter deixado isso cicatrizar, digo, ter me acostumado com a idéia antes de perder minha menina. Agora ela está lá, naquela merda de festa, e eu estou deitado na cama, com uma música que eu nem sei qual é. Eu poderia mentir e dizer que é minha música favorita, mas eu sequer tenho uma. Nem consigo raciocinar. Eu disse 'Hey, o problema é comigo. Você foi uma gracinha, a melhor garota que eu já conheci'. Quer dizer, se eu tivesse tentado avançar o sinal ou aparecido com outra, mas não: pela primeira vez na vida eu me importava realmente com alguém. Tanto é que eu comprei um presente pra ela, disse coisas legais. A gente nunca sabe o que esperar de uma pessoa do sexo oposto. Ela nem chorou muito, só quando disse que eu estava escondendo alguma coisa, que tinha mudado, que era muito fechado, que não sabia gostar de ninguém... Isso me deixou meio impaciente, esse monte de acusações que saem da boca quando a gente está contrariado... mas ela não tinha o direito de dizer tudo isso. Não que eu tenha me importado. Se eu não estivesse pensando nisso tudo eu nem teria o trabalho de lembrar dessas palavras. É isso que dá quando você é legal com alguém e quer assumir a culpa: você é realmente culpado. Eu não fiz nada de errado, não inventei desculpas nem nada. Disse que precisava de tempo, que acabaria não dando a atenção que ela precisava, que estava me afastando do mundo antes que fosse arremessado para fora dele por uma bomba ou algo assim. Garotas nunca entendem nada. Eu comentei o quão legal foi o tempo que passamos juntos, que aprendi várias coisas e tive sensações bem diferentes das que eu estava acostumado quando estava com alguém. Eu devo ter sido o primeiro cara dela. Quer dizer, eu nunca ouvi histórias sobre ela, nunca mesmo. Ela que deve ter ouvido de mim. Isso me atrapalhou um pouco, sabe. Garotas gostam de andar com caras otários, que fazem elas de bobas e as deixam chorando num banco de praça. Eu nunca tive prazer nisso, mas elas realmente me enchiam o saco e cometiam uma série de injustiças: um dia teriam que pagar. Com essa pequena foi diferente. Eu conversei numa boa, sairia da vida dela do mesmo jeito sorrateiro que entrei. Mas não, ela foi logo me dando um tapa na cara. Talvez ela tenha me usado como 'primeira decepção', afinal todos precisam de uma e as primeiras são sempre as mais importantes porque é quando a gente realmente quebra a cara. Talvez eu devesse ter sido estúpido, ter dito que ela estava mesmo gordinha, essas coisas que menina pede pra ouvir e se sentir um lixo depois. Ou não, poderia ter inventado que tinha beijado a amiga atirada dela, assim ela já aproveitava e se afastava também daquela má influência... dois coelhos de uma vez. Na hora eu pensei que tinha agido como um rato, mas talvez agora eu veja como sou homem. Quer dizer, ela não me ouviu por nem um segundo e eu continuo aqui pensando nela, em como ela deve estar se divertindo naquela porcaria de festa. Talvez eu devesse ter esperado ela descobrir tudo sozinha, se ajoelhar na frente das minhas malas me pedindo para não ir... Mas eu tenho uma foto nossa e o endereço dela na carteira. Escrevo uma carta de lá, de algum abrigo, se eu ainda estiver vivo. Espero que um dia ela entenda."

sexta-feira, 21 de março de 2008

pt. 10

"Não, não é uma boa idéia.", pensou. Mas tinha visto uma cena parecida num filme de terror, tinha que funcionar. Apesar de saber que deveria estar nervosa pela ação que faria em segundos, estava tranqüila: o resultado não importaria, não choraria a morte de Arthur. Sorriu maliciosamente diante da visão do estado do homem, sentindo-se superior e, talvez, hesitante... porque faria algo do qual poderia se arrepender pela vida inteira? Agatha não percebeu, mas tinha mudado muito em pouco tempo: ficou mais séria, menos chorona, mais decidida.
- Não se mexe. - Falou em som claro e alto, se arrependendo em seguida. O velho devia estar inconsciente, seria idiota falar com alguém que não a escutava. Se aproximou do corpo imóvel, se ajoelhando sobre o colchonete miserável. Olhou com atenção o rosto de Arthur, com esperança de que esse mexesse as pálpebras ou algo que o valha. Apertou seu pulso, se aproximou de seu peito, desajeitada. Não levava jeito para a medicina, sabia disso. Antes de envolver o pescoço enrugado com os dedos, observou-o com nojo. Mordeu os próprios lábios, tentando firmar a outra mão que tremia ao segurar o estilete.
No filme, a mocinha perfurava o pescoço do marido e colocava um tubinho branco improvisado - na verdade, um corpo plástico de caneta -, por onde entraria ar. Agatha considerou a lembrança uma solução para o que pensava ser um problema respiratório. Se Arthur tivesse se engasgado com alguma coisa também a encontraria... "De fato, não é uma idéia tão ruim.", se convenceu. Olhou ao redor, tentando encontrar uma bombinha típica de quem sofre de asma, uma caneta, qualquer coisa. Frustrada, voltou sua atenção para o homem deitado. Droga, espirraria sangue. Não queria se sujar dessa forma, não estava preparada para uma cena tão forte.
Impulsivamente, começou a socar o peito de Arthur, com as duas mãos. Gritou com raiva ao ver sua mão ensangüentada. A lâmina do estilete tinha sido apertada furiosamente durante os movimentos agressivos. Preocupada em se sentar sobre as pernas do velho sem perder o equilíbrio, enquanto analisava desorientada a intensidade do corte, não deu atenção às tossidas que recomeçaram.
- O que é isso, menina?
- Ahn? - Ela parecia ter acordado de um sonho psicodélico. Arregalou os olhos, ao ver Arthur apoiado nos cotovelos. Ainda estava sentada sobre suas pernas. - Ahhh! Você v-você...
- Eu espero não ter te assustado. - Ele parecia mais incomodado com o comportamento da jovem do que com seus sintomas. - Minhas pernas estão dormentes, sai já daí.
- Você fingiu isso? Fingiu? - Ela se virou para ele, arrastando-se para trás, para a ponta do colchonete, enquanto Arthur dobrava as pernas e as massageava com as mãos.
- Hum... não sei o que você viu... ou imaginou... - Acrescentou, ainda estranhando a garota. - Mas, da minha parte, foi tudo sincero. - Ao concluir, permitiu-se rir de tamanha cara-de-pau, pensando que fora uma péssima hora para fazer piadas. Não fora algo infeliz, percebeu em seguida, afinal Agatha não percebera sua intenção (mais uma vez). Ela trocou a expressão aterrorizada por algo triste, movendo a boca discretamente para a esquerda. Baixou os olhos para a mão machucada.
- Hey, temos que cuidar disso. - Disse ele, agitando-se. Se levantou apressado, puxando a moça pelo braço. Ela se surpreendeu ao vê-lo abrir a torneira da pia e tocá-la com todo o carinho e cuidado. - Vai arder, mas depois eu passo alguma coisa para cicatrizar mais rápido... - Seus olhos encontraram os de Agatha. Continuou a falar, porém sem alterar o tom de voz. - Como você fez isso?
O estilete que trouxera escondido na manga desde a ida ao seu apartamento... como a garota explicaria o machucado sem entregar suas reais intenções? Poderia mentir, dizer que o encontrou pelo quarto bagunçado de Arthur, revelar sua tentativa de salvar o homem que teoricamente a matou (lembrou-se dos jornais)... Ou não: tentaria resgatar o objeto, procurar algo pontiagudo, que pudesse ser culpado por sua dor...
- Está tudo bem. - Arthur consentiu, embrulhando a mão ferida num pano, para espanto de Agatha, que permanecia silenciosa e perdida. - Eu entendo... - Ao ouvir isso, a moça franziu a testa, perguntando-se o que ele pensava realmente dela. Não teve tempo de traçar suas teorias: o velho abriu a porta instintivamente, dando de cara com Antoine. Se encararam por longos dez segundos, o sujeito do cabelo oxigenado e o rapaz que passava na ponta dos pés pelo corredor, desabotoando a camisa. - O que é isso, rapaz? - Arthur olhou-o de cima a baixo, notando que o jovem também estava sem sapatos. - Que trajes são esses?
Sem resposta, o homem repetiu a última pergunta. Uma quarta pessoa apareceu, caminhando a passos largos na direção do chefe. A sombra larga e alta que se fez na parede não deixou dúvidas que quem estava por ali. Thomas tocou o ombro de Antoine, empurrando-o para trás.
- Eu vou te dizer o que está acontecendo.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Cheguei cansado, com os pés embarrados e o casaco molhado de água da chuva. Me sentiria melhor, não fosse o olhar de desdém da secretária vadia. Logo ela, que passara a vida mordendo canetas e cruzando e descruzando as pernas maliciosamente para qualquer um... agora estava ali, jogada na cadeira, com um sorriso zombeteiro. Passei reto, ignorando seu cumprimento forçado de boa-educação. Usar a educação é a típica maneira de ser simpático sem necessariamente ser simpático.
Na sala ainda tinham umas cinco cadeiras vagas, além das quatro ocupadas. Um velho alto lia jornal. Eu não sou muito jovem não, mas essa moda de colete e sapato de couro combinando já é bastante ultrapassada. Tudo bem, ele estava mais elegante do que eu, que usava uma jeans detonada e uma camisa bonita - com uma mancha de clorofina bem discreta, do tipo que só as mulheres percebem. Uma velha bem enxuta estava sentada do lado de uma moça atraente, que folheava uma revista de decoração. Deviam ser mãe e filha.
Sentei na frente do ar-condicionado, perto de um cara que parecia ser muito mala. Ele usava uma camisa xadrez amarela para dentro das calças beges. Os óculos e o notebook não deixavam dúvidas de que ele trabalhava demais e não saia com uma garota há séculos. Eu fiquei tentando espiar o que ele estava fazendo, meio surpreso em não encontrar números nem tabelas. Xadrez, o desgraçado estava jogando xadrez.
Eu passei grande parte da minha infância jogando xadrez. Meu pai era viciado e precisava de companhia "à altura", então eram raros os dias em que eu ocupava meu tempo fazendo outra coisa. Nunca fui fã disso, mas não perco para ninguém. Acontece que o cara da camisa amarela e cabelinho ao lado estava ali, prestes a cometer uma burrada fatal... eu não pude evitar: dei um tapa na cabeça dele. Na hora eu sei lá o que eu pensei, achei que fosse parecer idiota e intrometido dizendo que ele era ignorante e deveria mover a torre. Bater nele estava fora dos meus planos, mas foi o que - sem querer - aconteceu.
Ele me olhou surpreso, depois de dar um gritinho. A secretária estava pegando uma lixa para as unhas na bolsa, então não viu nada. Eu disse para ele que tinha uma mosca ali e aproveitei a deixa para me aproximar e dizer qual seria a melhor jogada a fazer. É, eu também não ouviria um estranho que chega com tiques nervosos... Azar o dele: perdeu para o computador. Fiquei ali orgulhoso das minhas habilidades, enquanto ele abria o jogo de paciência e franzia a testa.
Um sujeito aparentemente mais azarado que eu entrou na sala. Ele estava de chinelo de dedo, com gesso num dos pés (que, por sinal, estava ensacado com sacolas de supermercado provavelmente por causa da chuva). Parecia ter a minha idade e também não se vestia como aquela gente sem-noção. Na verdade ele tinha muita barba e uma tatuagem estranha no antebraço. Era uma tentativa de carpa preta eu acho, mas parecia um besouro.
O dentista abriu a porta e se despediu de uma mulher gostosa com quatro beijos nas bochechas. Ela era realmente estonteante e me senti um merda quando o velho do colete levantou e a abraçou. Eu pensando que ele era o pai dela... mas o putinho era namorado. Provavelmente ele tinha um carrão, alguns dólares e uma doença em estágio avançado. Adoraria que ela tivesse visto meu olhar de filme, desses que a gente ensaia para quando a garota realmente vale a pena. Eles saíram da sala juntos, entre beijos e risadinhas que faziam meu estômago revirar.
O próximo deveria ser eu, que estava vinte minutos atrasado, mas acho que não preciso comentar que toda aquela gente seria atendida primeiro... Levantei meio impaciente, me dirigindo a secretária. Ela fingiu não me ver e ficou mascando chiclete enquanto desenhava cubos tortos em uma planilha. Puxei a caneta da mão dela e desenhei algo decente, tipo um cavalo. É meio infeliz, mas eu sei desenhar cavalos. Ela nem deu bola, voltou a olhar as unhas e aparar as que estavam maiores.
Sentei de novo, dessa vez do lado da velha. Estava entediado, mau-humorado, afim de beber algo e passar a noite trocando de canais de tevê. Filmes de ação, pornografia e amendoim japonês: nada melhor do que noites de sexta-feira com a casa vazia. Eu não tinha namorada, então não tinha ainda muita responsabilidade - até por isso não me importava muito com o pneu de cerveja que se apresentou à minha barriga em uns dois meses de vida solitária.
A velha abriu a bolsa e pegou umas moedas. Pediu para a filha comprar um refrigerante, uma água, qualquer coisa. Ela se negou, alegando umas mil coisas que eu não sei o que tinham a ver com o assunto (mulher a gente não entende, né). Eu me meti na conversa, disse que não me importaria de ir - desde que ela me desse um gole. Ela fez uma careta bizarra, como se aquilo fosse coisa de outro mundo. Já não bastava aquela trilha sonora de consultório, tinha uma dupla feminina tentando me fazer ouvir um discurso sobre bom-senso. Me irritei e saí dali. Fui até a esquina e voltei com uma latinha de guaraná na mão. Light. A única que tinha.
Fiquei meia hora babando naquela porcaria de lata, fingindo alguns suspiros e sorrindo como um babaca. Só para parecer que o refri estava gelado e gostoso - no fundo, estava bem longe disso. O cara do notebook tinha sumido. Imaginei que estivesse com uma maquininha na boca, morrendo de dor, mas a secretária tosca pareceu ter lido meus pensamentos e disse que ele saiu depois de receber um telefonema. Convidei ela para sair depois, dizendo que estava com minha moto na rua de trás e que até daria carona de volta. Ela disse que não ia, que estava tendo um caso com meu dentista - e me mostrou a aliança. Achei aquilo deprimente.
Notei que a velha também não estava ali, apenas a moça da revista de móveis. Pensei em puxar conversa, mas não o fiz. Olhei para o cara do gesso, mas ele sequer prestou atenção nisso. Estava com fones de ouvido, mexendo a cabeça. Eu caminhei até o banheiro, que ficava no corredor. Fiquei bastante tempo sentado no vaso sanitário, pensando que estava prestes a parir o maior cocô da minha vida. É sempre assim, nesses lugares nada-familiares, que a gente bate nossos recordes...
Voltei para a sala e fui atendido em seguida. Passei pela secretária todo caliente, cuidando a reação do dentista - que foi mínima. Droga, ela me enganou também. Voltei pra casa para o meu programa noturno de homem solteiro. Liguei a tevê e lá estava o cara da camisa amarela, falando sobre economia. O programa em que este estava, ao vivo, permitia que o público ligasse para participar - até porque era uma emissora podre, do tipo que ninguém assiste (só eu, enquanto os filmes de ação não começam). Xinguei ele, disse que era um merda e não sabia jogar xadrez. Putz, disse meu nome verdadeiro no ar... provavelmente seria alvo de piadinhas dos colegas de trabalho segunda-feira. Fechei os olhos e dormi na cadeira.


segunda-feira, 10 de março de 2008

Lady in Red

Chegou sozinha, com cara de bunda. Não estava acostumada a andar sobre sapatos tão altos e desconfortáveis, tampouco a ter de puxar a saia do vestido para baixo o tempo todo. Os passos apressados, a bolsa apertada nas mãos nervosas, a cabeça baixa entregavam todo o medo que existia nos minutos finais que precedem o cruzar de uma porta.
O lugar estava cheio de rostos desconhecidos, iluminado de maneira aconchegante, recheado de mesas e cadeiras enfeitadas. Um sujeito estranho surpreendeu a garota, segurando umas folhas de papel e mostrando os dentes num sorriso exageradamente receptivo. Levou-a até um grupo de pessoas mais ou menos da sua idade.
Ela não falou muito, se sentou e examinou o ambiente - à procura de alguém que ainda não conhecia ainda mas que, nos seus sonhos, apareceria a qualquer momento e, tirando os desconfortáveis grampos que prendiam o seu coque festivo, a puxaria pelo braço, fazendo-a correr até algum paraíso não muito distante dali. Sabia que esses lugares especiais nunca estavam muito longe, bastava procurá-los com vontade, sem olhos repressores.
Mexendo as pernas compulsivamente, acenou para um garçom que servia coquetéis coloridos. Bebeu tudo de um gole, fechando a cara para as expressões assustadas dos seus companheiros de mesa. Passou os dedos pelos brilhosos e numerosos talheres que rodeavam o prato branco de porcelana. Droga, o guardanapo deslizara até o chão e agora combinava com a cor do seu humor. Consultou o relógio do celular e aproveitou a deixa para catar algum chiclete na bolsa.
O batom deixava sua boca insinuante. Junto com o decote, tal ousadia era verdadeira perdição - embora não soubesse. Se sentia como a última da fila de qualquer sujeito presente, sem saber que era um verdadeiro ímã de olhares pretenciosos, tímidos, encantados, de todos os jeitos. A cadeira vazia ao seu lado mantinha acesa a esperança de encontrar uma alma interessante - com quem pudesse, no mínimo, fugir do diálogo habitual. Sim, estava calor, a música estava boa (quer dizer, não estava - mas faz parte da educação concordar que tudo está sempre o máximo), a aniversariante estava bonita.
Se entretia encarando homens que visivelmente estavam namorando, sorrindo com desdém quando um ou outro mostrava-se interessado. Não, não estava afim de arranjar problemas. Isso poderia ser a idéia de cruzar com alguma namorada ciumenta ou mesmo um garoto grudento. Coçou a testa, analisou a decoração, resolveu ir ao banheiro fumar. Se incomodou com a fila na entrada e com o excesso de meninas e risadinhas que preenchiam toda a extensão do balcão das pias.
Acendeu um cigarro, ajeitou o vestido, soltou os cabelos. Sentia-se melhor assim, escondida sob os fios compridos. Não demorou para retornar ao lugar de origem, agora ocupado por uma jovem loira de vestido prateado. Resolveu passar reto, desistiu de esperar a dama terminar a conversa. Cruzou os braços e se encostou numa coluna grega, de gesso antigo.
Percebeu quando o cara descabelado cruzou a porta, com as mãos nos bolsos e expressão curiosa. Ele pegou uma taça e caminhou silencioso pelo salão. Nenhum funcionário sorridente o abordou. Alisou a parte de trás da calça com as mãos, à procura do bolso onde guardara o celular. Consultou a hora e sorriu para a aniversariante, que dançava uma música que parecia não acabar.
Ele reconheceu o símbolo tatuado nas costas dela, que dera a volta na coluna a fim de analisar uma escultura que estava sobre a mesma. Caminhou rapidamente até a garota, tocou-a no ombro e, num segundo frio e demorado, fitou de perto o rosto da jovem que o observava. Incrível como o gosto musical é capaz de interferir na vida das pessoas, pensou por um instante. Disse que gostava da banda, do emblema tatuado e de como estava se sentindo por fora de todo aquele clima de contos de fada daquela cerimônia - não com essas palavras. Ela esfregou o dorso da mão nos lábios, espalhando o vermelho por bochechas e queixo, afogando-se no azul dos olhos que se cerravam.
Para quem estava lá entediado e prestou atenção foi uma cena "ridícula" até o beijo visivelmente fogoso acontecer: a atenção continuava voltada para ela - a garota que tropeçava nos próprios pés.


quinta-feira, 6 de março de 2008

Gossip Girl - Life Style

(Se alguma das pessoas que eu vi ontem resolver passar por aqui, observe que os posts do dia cinco foram escritos na noite de terça-feira.)

Cena 1 - Duas amigas brigando por um menino
Fatos: O cara é um banana ou uma super-maçã-caramelada-premiada. (Ou seja: ou ele é um merda e as garotas perceberão isso depois, ou ele é um merda-ou-não cheio de concorrentes ou num nível muito acima dos demais - o que dificulta o acesso. Ou, i'm sorry, ele é gay.)
Geralmente uma das duas não tem chance alguma, por ser muito dragão e/ou por ter fatores irritantes (isso pode ser tanto o timbre da voz quanto a mania de achar que sabe realmente tudo. Ok, isso é uma visão de uma pessoa emburrada, não acho que um cara vá pensar muito nessas condições).
A amizade existente entre mulheres acaba quando ambas estão de olho no mesmo alvo (seja ele o gatão da escola ou o último par de melissas - eu também me sinto um et nesse mundinho, então meus exemplos são realmente muito ruins). Se uma assumir o medo de perder a disputa na forma de tentativa de trégua (ou seja: ninguém fica com o cara), o que se espera é que a outra ache a atitude péssima, mas linda (afinal, apesar de achar bonitinha a bandeira branca, deseja que essa enrole o corpo-dourado-da-cor-do-pecado do garotão. Ok, forcei a barra.). O ar fica carregado... mesmo que ambas façam um acordo de paz, nenhuma esquece de reforçar o make-up, dar um trato no cabelo e, né, acordar supersimpática no dia de encontrar a vítima.
É, nem sempre o interesse da dupla (ou o número de meninas que for) é algo tão público... e nem sempre o fulano entende as intenções na mesma velocidade que as pessoas normais (ah, pára, eu tenho que criticar a lentidão masculina para algumas coisas). A não ser que seja algo totalmente perigoso e declarado - o que eu acho incomum, visto que não é da natureza feminina colocar seu orgulho em jogo -, o coitado vai ser abordado de tudo que é jeito, até dar algum sinal positivo ou negativo para alguém. Dependo da idade e da proximidade dos três, isso pode variar em frases como "ele sorriu pra miiim" e detalhes da pegada. Vai saber, tem gente que disputa realmente na prática a pessoa... mas aí é uma situação um pouco mais moderna: 'no meu tempo', era uma só que tinha o luxo de beijar o cara (nos casos extremos, a rivalidade era tanta que a 'escolhida' ficava um século pedindo perdão para a 'perdedora' - isso se não acontecia uma daquelas revoluções no grupinho das amigas).
Em 99% das vezes, o 'casal' não dura um mês (ou um dia), o afeto que girava em torno dele é dissolvido e ele é tachado de 'idiota' e uma série de adjetivos que acompanham os homens generalizadamente, tipo um sobrenome - "todos são iguais: não prestam".

Cena 2 - Revoluções no grupinho das amigas
Fatos: Elas juram amor eterno, tiram inúmeras fotos juntas no shopping (na escola, na praia, em festas falidas cheias de pirralhos), se descrevem com o mesmo bordão musical da moda (sim, várias semelhanças com os namorados do orkut modelo 2008), dormem juntas e, por vezes, parecem realmente inseparáveis - a ponto de não saber de quem é a roupa que a fulana está usando (que ontem estava com a ciclana) ou a mão que está perdida no meio daquele abraço grupal (isso quando não andam de mãos dadas, em grupos de cinco ou seis, formando uma espécie de paredão humano e rosa - ou pretinho básico).
Não sei como conseguem andar juntas em número acima de seis, embora isso aconteça. Grande parte dos membros de um grupo tem sérias diferenças a serem acertadas com, bem..., suas colegas: para isso existem as subdivisões: duplas, trios e quartetos unidos pela afinidade e, claro, pelo desejo de falar mal das outras. Esse misto de gloss e falsidade dura tempo desconhecido - pelo menos o suficiente para trocar umas três meninas do grupo ou predominar uma das subdivisões (o que pode realmente fazer tudo desmoronar).
O sexo masculino é o principal causador de intrigas, como se viu na primeira cena. Os outros motivos variam de acordo com a garota que entrou na tpm, mas geralmente envolvem ciúmes e futilidades dentro do círculo de amizades e do que existe ao seu redor. Não importa o que leva duas meninas a parar de falar pelas costas e agir escancaradamente (com tapas na cara e cabelos puxados - ou não): as outras sempre se manifestam - quase uma regra.
Todo subgrupo tem uma abelha-rainha, que parece ter realmente muitas armas para usar contra suas inimigas (que, até então, eram suas bésts) e, principalmente, contra suas aliadas. Baby, confidenciar segredos em um grupo é realmente arriscado... O resultado é previsível: num dia eram cinco meninas chatas que não se desgrudavam, fotografando a formação de uma estrela feita de dedos em 'paz e amor'; no outro, fofocas entregues em panfletos para quem se interessar.
Algum tempo depois, mais pessoas entram na história: panelinhas rivais, personagens e situações novas ou, quem sabe, tudo de novo. E, claro, as amigas que se reencontram pelas escolas da vida (literalmente) e decidem ser, de novo, uma dupla - ou um grupo de oito, seis, sete...
A exclusão de um membro pode ser feita pelas mesmas coisas que levam um garoto a dar um fora em uma garota, pelo garoto em si (quando existem mais aliadas no outro lado) e por sacanagens que sempre ocorrem - mas que nem sempre a tpm geral permite 'perdoar'. Claro que isso não é uma regra: toda garota bonita quer andar acompanhada de uma feia, e por aí vai...

Cena 3 - A garota pergunta às amigas se deve acabar o namoro
Fatos: Enquanto (e principalmente se) existir uma solteira no grupo, a pressão será para dar um chute no cara. Quem pensa que mulheres são doentes devido aos altos índices de ciúme do namorado não conhece a ira de uma frágil menininha que teve a amiga seqüestrada por um sujeito barbudo. O amor é lindo sim, desde que não seja obrigado a conviver com os laços femininos (isso vale para ambos os sexos). Pode ser o Brad Pitt (nesse caso, as amigas adorariam meeesmo que o namoro acabasse), o cara mais 'fofo' (no sentido de 'romântico'), quem for: nunca será o suficiente bom para fazer a menina tão feliz quanto ela se sentiria em uma festa, acompanhada das amigas, mil caras e bebidas - sim, é isso que alegam. Se funciona ou não depende muito da pressão e da menina... mas, claro, pode ocasionar uma revolução...

A moral da história é que mulheres são muito cobrinhas e merecem caras bestas de vez em quando.


quarta-feira, 5 de março de 2008

Depois do erro, a Redenção...

Não, eu não vou te falar tudo o que eu penso sem ter certeza de que eu vou saber usar as palavras certas (não necessariamente fazer do monólogo um eufemismo, mas saber traduzir meus reais sentimentos), de que você será racional o bastante para não reagir impulsivamente e, claro, de que você quer realmente saber tudo o que eu penso. Não que eu me veja como uma arma mortífera, mas eu não faço questão de parecer nenhuma flor. Já colecionei comentários do gênero "oh, você é muito fechada", embora eu tenha me surpreendido com a maioria deles. Eu sou total passiva para algumas coisas e, apesar de falar até demais, sou realmente "total ouvidos" para grande parte do mundo. Não me importo com isso - acho um tanto divertido e interessante tentar ver as coisas pelos olhos alheios. O problema em ser sincero é que ninguém está preparado realmente para isso. Tudo bem, eu deixo a sensibilidade de lado muitas vezes (grande merda): sinal de que eu sou uma pessoa descontrolada ou, no mínimo, humana (esse adjetivo tem realmente duplo sentido). Cansa ser meiga o tempo todo (não que eu seja, foi só uma colocação). Sabendo disso, eu ignoro qualquer pedido aleatório que exige mais palavras do que eu quero expor. Eu tenho medo do meu mau-humor e da minha falta de tolerância. Detesto mencionar discussões, odeio gritos, odeio esse sentimento de poder que satisfaz quem ri por último. Sim, eu rôo unhas, exagero na comida, me descabelo e tenho quase um infarto durante esses períodos estressantes (não estou falando de tpm) onde o contato com os outros se torna indesejável e sinônimo de indiretas ou diretas desconcertantes. Eu sei que eu sou covarde para muita coisa, mas realmente acho golpe baixo a maioria das atitudes de adolescentes revoltados. Tudo bem, me permiti entrar num momento nostálgico e reafirmar que meu passado foi uma droga. Sim, eu costumava dizer muito do que eu pensava e, quando alguns laços já estão abalados, expressar infelicidade é realmente fatal. Acho ridícula uma série de coisas, acho mesmo. Não sou possessiva com ninguém, só não gosto muito de observar meus amigos. Eu não interfiro na vida deles, só não gosto de ver o rumo de algumas coisas. Existe aquilo de estar sempre ao lado de quem você gosta, defendendo-o sempre e chutando-o quando necessário. Existe ciúme e existe carinho. Já cansei há muito tempo daquelas situações infantis, onde o grau de amizade entre duas ou mais pessoas varia de acordo com o dia. Ou é ou não é. Não tenho mais paciência para repetir os mesmos conselhos, até porque não acho que alguém deva segui-los. Só que, se eu continuo com o mesmo raciocínio, não é o tempo que vai mudar minha opinião. Às vezes, enche o saco substituir tantas pessoas ausentes (eu não gosto de como isso soa mesquinha). Legal, eu atendi o seu telefonema de madrugada. Isso não deveria ser uma novidade. Não gosto de gente que se impressiona com esse tipo de coisa. Quer dizer, o que te levaria a pensar que eu não te atenderia? Puxa, eu já fui tão mais dócil e banana. Eu mudei mesmo quando desconfiaram da minha verdade. Não, eu não chorei por isso nem achei a maior injustiça. As pessoas têm direito de confiar em quem quiser. Só acho que desperdicei algum tempo sem saber - sempre mantendo a idéia do não-arrependimento. Eu sempre gostei da palavra lealdade. Até agora, acho que só tive realmente essa relação de Harry e Dumbledore com uma pessoa. Eu tento ser a mesma chata de sempre para não decepcionar ninguém. Me sinto deveras doente quando se forma uma distância, ainda que eu não tenha o hábito de correr atrás de tudo e buscar um final feliz. Observar mudanças é um ato um tanto estranho: você nunca sabe o que está por vir. Pretendo não perder muita gente, mas também não tenho muito o que fazer. Não sou do tipo que faz campanhas comoventes ou reuniões forçadas para a alegria geral. Eu não sei não buscar olhares, logo, cruzar com pessoas desprezíveis é algo realmente angustiante. Enquanto eu sinto o desejo de apagar algumas lembranças, sinto um pouco de sede. Vontade de falar tanta coisa para tanta gente... mas preciso ter certezas antes de abrir a boca.


Cinzeiro

Não gosto dessa bagunça. Não falo da barulheira urbana, do capitalismo presente em 99% das coisas, da estranha aceitação de idéias desmoralizantes: se fosse só isso, metade dos problemas já estariam solucionados. Já não chega a mania irritante de poluir o que vêem com suas opiniões, as pessoas sentem necessidade de se fortalecerem em cima dos erros dos outros. Sempre acham que o mundo seria mais alegre se seus estilos de vida servissem de exemplo. Alegam que são mais adultos, mais experientes, que é loucura não querer aproveitar tudo o tempo todo - quem foge dessa idéia recebe um longo olhar piedoso (como se devesse receber perdão divino ou um pouco de lucidez). Que coisa mais esdrúxula!
Depois de um tempo, você aprende a respeitar as diferenças - ainda que não entenda o que se passa na cabeça alheia. Reconhece que seus amigos não são perfeitos - e eles também encontram alguns de seus defeitos (existem sempre aqueles que, conscientemente ou não, mantemos escondidos). Cria vícios a partir de medos que ainda não te incomodaram o bastante para merecerem atenção, oscila entre o ódio e o amor-próprio (que não são sentimentos muito diferentes), conhece gente nova e mais uma vez prefere a companhia de um velho amigo (mesmo que vocês não sejam mais os mesmos e que as piadas tenham sido, em parte, substituídas por resmungos e comentários que entregam a idade).
Não tô mais afim de escrever essa baboseira.

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