domingo, 15 de agosto de 2010

Comforting Sounds

Pegar um trem ou qualquer coisa que o valha com destino a qualquer lugar num dia chuvoso ou cinza ou simplesmente ventoso e reticente. Sentar num banco vazio, no assento próximo a janela. Tirar os fones de ouvido do bolso e começar a escutar a primeira música de uma lista infinita. E assim ser, por horas infindáveis.
Contrariar a vontade do mundo escorregando o vidro da janela de forma que o ar congelante entre. "De que adianta ser inverno se não sinto frio?!". Outrora, os dedos agitariam-se a bater nos joelhos ou a boca revelaria a canção; mas certos dias merecem mão no bolso e lábios cerrados. Olhos expressivos, mentindo estar sonolentos.
O clima é quebrado por um estranho a sentar-se no assento que sobrou. "O clima é sempre quebrado.", como se a solidão atraísse o barulho. Segundos depois, a paisagem re-ocupa o papel de protagonista. O conforto de ver mudanças sutis é incomparável, tão diferente das pessoas e suas opiniões.
Trocar a música alegre por uma mais monótona; encontrar um papel amassado no bolso. Abrir o papel e desejar não tê-lo visto. Suspirar mentalmente e olhar ao redor. Aparentemente, tudo está sempre estável. Sempre estável. E essa certeza é a maior prova do quão incertas são as coisas. "Tudo muda, ora ou outra. A agonia vem de não saber quando será a próxima vez.".
Olhar uma última vez para o papel e deixá-lo voltar para seu esconderijo: estratégia dramática e inútil de fugir das palavras. Deveria colocar no lixo todos os registros, todas as lembranças. O problema é que a memória deforma as mensagens, transforma sonhos em medo, faz a interpretação mudar de acordo com as emoções sentidas.
Sentir o corpo afundando no banco, os ossos ganhando peso, as forças se derretando. Não ter vontade alguma. Deixar a cabeça pesar sobre os ombros e fixar os olhos no horizonte. Pensamentos inquietos, silêncio e respiração arrastada. Envolver-se com o vento, deixar que gele as narinas; segurar com firmeza as mangas do casaco, escondendo as mãos.
Aumentar o volume da música, deixar as pálpebras pesarem e esquecer o mundo. Colocar um pé sobre o outro, enroscando os cadarços desamarrados. Não se importar com os fios de cabelo bagunçando-se diante dos olhos, com a boca seca, com as bochechas coradas. Não estar. E não ver o trem chocar-se com outro, que estava parado na estação. O sangue morno sobre o rosto e o papel seguro, apertado na mão fechada.


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