As mãos trêmulas, o olhar assustado, o celular vibrando sobre o criado-mudo. "Atendo, não atendo, atendo, não atendo, atendo..?". A música insistia em tocar, mostrando que pelo menos um dos dois ainda tinha o que dizer. Sophie se irritava com sua demora em atender a ligação, mas aos poucos se convencia de que desejava mesmo ficar em silêncio, encerrar o drama. Uma hora a mais chorando é mais um período que se perde. E ela nem queria ter ocupado aquele espaço da vida dele. De verdade. E começou a culpar "o sistema", que pressiona as pessoas a forçar que se sentem atraídas e conectadas de alguma forma, numa tentativa de maquiar a solidão do dia-a-dia com garrafas de vinho, sorrisos inexpressivos e diálogos vazios. E transas fáceis. Vez após vez. Durante essa fase, em questão de três encontros já se tem um namorado - que, três meses depois, se tornará passado. Quatro meses, se houver muita boa vontade. E as semanas de Tim já tinham expirado segundo o conta-gotas de Sophie. "Fim. Simples assim. Não é de mim que você precisa, convenhamos.". Falsa (in)segurança. Talvez ela quisesse a prova de que ela estava errada, que estava sendo muito dura. E talvez fosse o que Tim estava tentando fazer ao insistir em discar os mesmos números. E ele fazia isso compulsivamente, como se houvesse algum erro na ordem dos algarismos. Apesar da preocupação, o que ele sentia era uma leve indiferença. "O fim nunca é mesmo o fim." São pessoas... ninguém funciona como um reloginho, que deixa de contar os minutos se está com a bateria descarregada. Nem tudo é necessariamente polarizado, existe um longo caminho entre o estar envolvido, apaixonado, o que for e o lado oposto. Mas talvez essa certeza seja o ponto cruel de toda a verdade: não perceber que houve uma rachadura. E não deveria ser tudo tão intenso em um tipo relacionamento que chega a acontecer umas quatro vezes ao ano. A falta de clareza em relação aos limites e aos próprios objetivos pessoais pode comprometer ainda mais a troca de sentimentos. E blá blá blá. Sophie esperou as ligações cessarem para ter de novo o celular em mãos. Limpou os olhos borrados de preto e repensou o horário que acordaria na manhã seguinte. Teve o azar de atender, por engano, a última tentiva de alcançar qualquer diálogo de Tim. Percebeu o feito segundos depois, se assustando com a voz grave. Desligou o aparelho. "Assim vou ficar sem despertador". Resolveu que ouviria o que ele tinha a dizer, afinal precisava acabar com tudo logo. Precisava trabalhar de dia, e a madrugada passa muito rapidamente. A fala dele parecia desesperada, como se tivesse passado um tempo imerso em água. E talvez ele mesmo estivesse consciente de que todo o drama talvez não valesse a pena. Talvez ela não fosse a pessoa certa mesmo. Se é que isso existe... "Foi muito bom, obrigado. Passar bem." - pensou em dizer. Seria grosseiro, de certa forma. Mas ela gostava de palavras cuspidas na cara. Sophie, aquela estranha que ele encontrara um dia na feira. Ela nunca ia na feira, ele estava lá por acaso - "bairro novo, sabe como é...". Ela contava os segundos para ver a luz do sol e nunca mais ouvir falar sobre aquele cara. Não que Tim merecesse o anonimato (pelo contrário, ela torcia para que a banda dele desse certo), mas de nada adiantaria mantê-lo ali, naquele espaço sem forma da vida de Sophie. Arquiteta, perfeccionista, mas incapaz de enquadrar Tim ou qualquer outro sujeito conhecido em seu projeto de vida. Ele não fazia o tipo sensível ou cavalheiro, mas ficara incomodado com a "vontade de liberdade" repentina de Sophie. Sua fala foi um tanto precipitada, querendo resolver logo quem ficaria com o quê, quando ela buscaria as roupas, se iriam juntos ao show para o qual já tinham comprado os ingressos. Ela estranhou a frieza. Para dizer a verdade, esperava um pouco mais de sofrimento, um pouco mais de enganação... "Oh, Sophie! Como vou viver sem você, minha querida?". Porque mesmo não acreditando que eles fossem certos um para o outro, ela queria acreditar que era a pessoa certa para outro alguém. Se é que isso existe. E ela queria que existisse. E, Tim, por sua vez, talvez sentisse certo alívio por tudo ter chegado ao fim. Nem sempre a maior angústia é de quem recebe calado a advertência. Ele consentiu.
Um comentário:
Amei teu texto!
"Fim. Simples assim. Não é de mim que você precisa, convenhamos.".
Queria dizer isso p alguem hehe Beijos
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