sábado, 27 de setembro de 2008

músicas para ouvir sozinho

(companhia é opcional, é claro)

1. quando tomar chá: my head is my only house unless it rains (everything but the girl)
2. para se balançar: smells like teen spirit (nirvana)
3. para montar coreografias sobre as lajotas da cozinha, comendo algum doce: no milk today (herman's hermit)
4. quando tirar a roupa: mad about you (hooverphonic)

5. para fechar os olhos e esquecer do resto: she's lost control (joy division)
6. quando sentir-se agoniado: everything (lifehouse)
7. ao tomar água fresca (nem gelada nem quente): quase nada (zeca baleiro)
8. e fazer as malas: pretty fly for a white guy (the offspring)
9. em momentos de egocentrismo: the world (nightmare)
10. num dia leve, de primavera: someday we'll know (
new radicals)
11. e pensar no que falar: feedback (nenhum de nós)
12. e refletir profundamente num dia cinza: unforgiven II (metallica)
13. ao voltar pra casa: unwell (matchbox twenty)
14. e cantarolar docemente: a waltz for a night (julie delpy)
15. e repensar sobre aquela faxina nas músicas do pc, enquanto varre o resto de comida do prato: reggae night (jimmy cliff)
16. ao fazer o xixi-pré-balada: cold hard bitch (jet)
17. quando sentir que foi deixado de lado: come pick me up (ryan adams)
18. e fazer performance: beat your heart out (the distillers)
19. para beber algo gelado, no gargalo, rebolando na frente da geladeira: eu não consigo ser alegre o tempo inteiro (wander wildner)
20. e se sentir na praia: já que você não me qu
er mais (seu cuca)
21. e pensar em sexo: one way or another (blondie)

22. e desejar cair na estrada: song 2 (blur)
23. quando se sentir brasileiro: isso é calypso (calypso)
24. e imaginar um filme: superafim (cansei de ser sexy)
25. num dia meigo: quelqu'un m'a dit (carla bruni)
26. e parodiar: saint seya (cavaleiros do zodíaco)
27. e fazer piadas de humor negro: somebody put something in my drink (children of bodom)
28. e lembrar carinhosamente de um amigo: never grow old (the cranberries)
29. no carro, de noite: voyage (desireless)
30. em época de fim de ano, de tarde, antes de ir para alguma festa entediante de família: thank you (dido)


Reset

O preço de viver num passado de coisas imperfeitas é se obrigar a aceitar que nem tudo é como se deseja. Só isso: aceitar que, por maior que seja o esforço ou a vontade, nem sempre os resultados são reflexos do que foi sonhado. E o não sair dessa condição, desse espaço estacionado no tempo, só faz aumentar a angústia de não entender algumas verdades. As raízes crescem, então, e lá estão os pés fixos ao chão, incapazes de saírem do lugar - ou sequer projetar uma sombra sobre o que ficou. Começar de novo, remodelar os pensamentos de modo que o que foi vivido não interfira como um medo ou uma ferida é um processo na maioria das vezes lento - e tantas e tantas vezes impossível.

_

Às vezes eu acho que as pessoas não têm noção de como tudo pode ser facilitado. O problema não está nela ou nele, mas no conjunto de coisas que interfere no comportamento de ambos. Nem tudo é reversível, é claro, mas o poder de amenizar não é restrito nem proibido. Se eu ajo de tal modo e faço com que minhas ações sejam invisíveis ou insuficientes não quer dizer que eu não queira tornar melhor o resultado final - só acho que existe falta de boa vontade de outrém. Eu não gosto do senso comum - um pouco por valorizar meu cérebro, um pouco por teimosia. O dia que eu almejar ser igual a todo mundo estarei assinando meu atestado de ninguém. O que eu quero dizer é que existem detalhes que não devem ser interpretados como defeitos por fugirem do padrão. A porta para a liberdade de ir e vir existe - e a única maneira de fechá-la é não vê-la.


Eu estou aqui, como sempre estive. No mesmo lugar, com os tênis na mesma lama e os cadarços com os mesmos nós. Não faz diferença a intensidade do vento: eu nem sei pra onde e se vou. E pouco importa se o dia está ensolarado ou cinzento, pouco importa a ordem dos fatos: o que passou é imutável, irremediável, inesquecível e imperfeito. Perfeito seria se tivesse um fim - mas os fins são para os grandes enredos, para as histórias recheadas de bravos homens e monstros inescrupulosos. E, por enquanto, não vi nem um nem outro por aqui. Eu não sou a donzela em perigo, nem o cavaleiro que vai salvar alguém. Nem ninguém tão previsível e simplório. E, muito mais importante do que a minha identidade, é o sentimento que existe por trás de cada palavra. Mas eu não posso culpar ninguém por tentar mudar a situação, por maior que seja a teimosia.
O preço de viver num passado de coisas imperfeitas é se obrigar a aceitar que nem tudo é como se deseja.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

pt. 12

- Só isso?! Entrou no bar da esquina, pediu uma bebida e voltou? - Os dedos no queixo, alisando uma barbicha imaginada, demonstravam o quão inquieto o homem estava. Não se conformava com a inocência do erro de Antoine. - Mas ele não ligou pra ninguém, não tirou o celular do bolso, não encontrou nenhum conhecido?
- Não, não encontrou ninguém. E ficou bastante incomodado quando eu me aproximei.
- Sim, homem.Quem é que não fica? - Levantou-se de imediato e deu início a uma incessante caminhada pelo escritório. Contava nos dedos as imprudências do rapaz em questão. - Ele pode ser muito útil, mas eu preciso que ele cresça, que pare de mentalizar isso como se fosse um filme cheio de... cheio de...
- Sortilégios? - Thomas calou-se em seguida, afundando-se na poltrona empoeirada. Ficou esperando reação de Arthur, mas este pareceu não ter dado ouvidos.
- O que eu quero dizer é que eu deixo tudo nas mãos dele, tudo o que não precisa de muito esforço para dar certo, sabe? Aquela história infeliz que ele inventou para a menina... aquilo é um absurdo... Me diz quem divulga suicídio num jornal? E porquê uma folha daquele tamanho, com foto? Ela não é nenhuma celebridade para aparecer em vários jornais e chocar o mundo. Ela mal tem família, aquela desalmada!
- É... mas o garoto é novato, Arthur. Você entrega tudo nas mãos dele, é nisso que dá. E, digo mais, você tem culpa no cartório... Acho bom não deixar mesmo tudo tão fácil, tão barato pra ele. Só que, pra isso, você tem que dar o exemplo, mostrar a ele o que deve ser feito.
- Você diz para eu fornecer instrumentos, mas eu não acho que ele esteja pronto. Se ele soubesse o futuro que lhe espera... Ah, se ele soubesse.
- Pois, então, conta pra ele.
- Não. Ainda não é tempo. - Parou de se mexer, por fim, sentando-se sobre a mesa, mas continuou pensando em voz alta. - E ela acreditou ainda. Um pior do que o outro! Seria tão melhor dizer que ela foi vítima de um acidente qualquer... "Virou um ônibus na estrada", sei lá. Representar ela como só mais uma: é esse gosto que eu quero que ela prove. Até agora foi muito mimada.
- Corria tudo bem quando ela ainda trabalhava para a Lorah.
- É, mas naquele dia em que o Antoine trouxe ela pra cá teria dado tudo errado se ele não tivesse agido. A Lorah errou feio ao colocar um qualquer na jogada. O que era aquele "cliente"? Não podia ter simplesmente armado uma história? Pra quê colocar pessoas reais em jogo? São negócios, negócios! É o meu dinheiro que está ali.
______
Arthur puxou uma jaqueta das costas da cadeira, vestindo-a em seqüência. Tateou o interior de uma gaveta entreaberta e tirou dela um molho de chaves reluzentes. Seus gestos serviram como um convite para o segurança se retirar do aposento também. Continuaram a conversa corredor afora.
- E como ficou aquela história? Ele ficou com raiva de você?
- Não me importa. Eu deixei ele naquele quarto, como você pediu. Ele relutou um pouco, mas viu que não tinha jeito.
- Não apelou?
- Chantagem emocional? Não... Eu sou homem, ele não ia tentar umas coisa dessas comigo. Ainda mais depois do banho de catchup.
- É. - Olhou de esguelha para Thomas. - O que eu achei um tanto inadequado... Mandei que o cultivasse como um aliado.
- Ah, ele é muito gosminha. Só sabe pensar em "garotas e bebidas", como ele mesmo fala. - Afinou a voz ao imitar o colega de trabalho. - Ele tem que aprender que não têm mais doze anos.
- Eu não pensava em bebida aos doze anos.
- Em compensação, agora todo o dia tira o atraso... - Ambos gargalharam em alto e bom som. A verdade é que Arthur não gostou do comentário, mas não queria se indispor com o segurança. As coisas não iam bem e não era hora de complicar ainda mais os afazeres. Apesar do avanço, de uma ou outra surpresa por parte de Agatha, não estava certo de que a jovem se adaptaria. A decisão de deixá-la circular pelo esconderijo fora repentina e até desesperada, embora não fosse motivo para arrependimento. Mais fácil deixá-la ocupada com qualquer coisa do que sustentar uma rotina que em nada a faz evoluir.
- Acompanhe Rudolph na reunião de hoje. Não vou comparecer.
- Mas, chefe, é uma reunião importante. O Rudolph não é muito competente... você sabe como ele reage com certa pressão... e ainda dispensa o uso de calculadora...
- Que seja, Thomas, que seja. Cuide para que ele não enfie a empresa na lama. - Parou os passos, de imediato, e virou-se de frente para a enorme figura que andava à sua esquerda. - E, por favor, não deixe que ele saiba o que estou planejando, sim? - O rosto inclinou-se, expondo os olhos faiscantes que pareciam tímidos quando as sobrancelhas não se arqueavam.
______Arthur deixou o segurança para trás e seguiu pelo labirinto escuro que o levava aos demais cômodos da casa. Passou pela cozinha, onde cumprimentou a cozinheira com um aceno de cabeça: mudar os modos ao se dirigir a outras pessoas se tornou um hábito peculiar. E, de novo, substituiu sua expressão por outra ao ver uma silhueta feminina encostada a parede, dentro de um quarto ainda mais afastado e recheado de alarmes e câmeras.
- Oh, minha querida, como tem passado?
- Poupe-me, Arthur, poupe-me.
- Seus cigarros acabaram de novo? Vi que tem fumado mais do que o habitual.
- Não, ainda tenho alguns por aí. Quer? - Lorah parecia abatida, mas isso não fez com que ela se mostrasse menos sedutora.
- Não, querida, eu não fumo e você sabe. - Ele encenou um ar de desaprovação exagerado.
- Então, o que te trouxe aqui?
- Custa muito me ouvir? - A falsa cordialidade do homem era muito bem sustentada pelo seu tom de voz agradável.
- Não, eu não quis dizer isso... - Ela se levantou, deslizando as mãos pelos cabelos sedosos e vindo de encontro ao chefe. Aproximou-se com a respiração compassada, erguendo-se aos poucos nas pontas dos pés, parando diante da boca de Arthur.
- É claro que não. - Ele baixou os olhos e aproveitou a oportunidade para voltar a agir normalmente, como o velho seco e impaciente que era. Afastou-se a passos largos, deixando Lorah num misto de vergonha e raiva.
Desaprovava as repetidas investidas da mulher e, por vezes, sentiu vontade de interrompê-la com um tapa no rosto. Deu uma risada baixa antes de prosseguir. - A garota pensa que é com ela. Todo esse plano para ensiná-lo a brincar e ele lida com essa imaturidade...
- Isso é exagero, Arthur. - Desgostosa com a cena anterior, Lorah agora falava com a mais severa naturalidade de qualquer pessoa com senso de profissionalismo. - Deixa o garoto fazer as besteiras dele, ele está em treinamento.
- Aí é que está! - Ele berrou, levantando os braços acima da cabeça. - É ele, é ele, Lorah.
- Você diz...? - Sua expressão ficou ainda mais séria, mas pontuada com um quê de preocupação quase maternal.
- Sim...
- Certeza?
- Eu não me engano duas vezes, Lorah.
- Hum... bom, então fala pra ele logo. Você não tem muito tempo.
- Mas é estranho, é estranho concordar em ser pai dele assim, de uma hora pra outra.
- Você não está falando sério, Arthur, são só papéis. Só papéis.
- Papéis e dinheiro.
- Ainda assim papéis.
- Mas e se ele deixar tudo que eu construí afundar?
- Então não é o lugar onde ele deveria estar.
- E você acredita que faria isso melhor?
- Convenhamos, Arthur, nós sabemos do que eu sou capaz. E já não é sem tempo, né? Faz anos que eu estou tentando te convencer... Eu estive do seu lado, querido, desde o começo. Eu te vi fazer tudo o que fez, eu acompanhei sua carreira, sua ascensão, seus erros... Arthur, eu sei de tudo que você precisa e não precisa!
______Arthur acompanhou a revelação surpreso com a "modéstia" da mulher, apreciando o som podre que cada sílaba parecia produzir... Só não fechava os olhos para ser mais fácil de acreditar nas barbaridades que ouvia. Nunca na vida colocou seus segredos à disposição de qualquer pessoa que não fosse avaliada para isso. Conhecia Lorah há algum tempo, verdade, mas em momento algum deixou-se envolver por suas ações de falsa amizade, onde o interesse pelos negócios era tamanho que não poupava o próprio corpo.
- Mais alguma palavra, querida?
- Eu disse tudo o que você já sabia.
- Naturalmente. - consentiu o homem. - Então, vejo que não nos veremos tão cedo.
- De novo? - Ela exprimiu um sorriso nervoso. - Olha... eu não queria falar disso, mas eu não estou muito confortável por aqui. A sua casa é bonita, sim, mas eu sinto falta de... hum... movimento... sabe? - O que foi dito ganhou dois sentidos, embora o desejo maior fosse de exaltar que o ambiente sem pessoas lhe trazia certa angústia.
- Movimento? - Arthur riu maliciosamente, os olhos apertados por trás das lentes.
- É... movimento. - Ela passou a mão nos cabelos e ficou à espera de um convite qualquer, que não aconteceu. - Mas vejo que você ia falar algo e foi interrompido. Prossiga, querido.
- Eu disse que não vou te ver tão cedo. - O silêncio que se seguiu entregou a gravidade da situação. Em questão de segundos Lorah virou às costas para Arthur, se projetando para frente, buscando apoiar as mãos nas grades que embelezavam o contorno da cama.
- Seu traidor... você disse que não ia... não ia... - A fala foi interrompida por um grito de dor e horror que aos, poucos, deu lugar a gemidos e resmungos baixos... As balas da arma de Arthur acertaram pontos vitais do corpo de Lorah. Era questão de tempo até encontrá-la sob seis ou sete palmos do chão.
______Satisfeito, o velho acomodou o revólver de volta no bolso. Recuou alguns passos, para então se virar para a porta. Não se lembrou de tê-la deixado aberta, mas aprenderia em breve que esse tipo de esquecimento poderia rascunhar novos problemas: Agatha estava parada no corredor, as mãos tapando a boca e abafando os soluços chorosos.


quinta-feira, 18 de setembro de 2008

areia molhada


E, se você parar pra pensar, vai ver que não é tão diferente...
Não pensei num desfecho pra idéia, só me deixei embalar por aquelas lembranças que, no fundo, podem não dizer nada - mas, de repente, mostram um monte de coisas. Tipo ficar em pé, na beira do mar, esperando as ondas se aproximarem e a água tocar seus pés: chega um momento em que, a não ser que tu seja uma tatuíra (ok, isso foi desnecessário), tu vai ter que te equilibrar colocando pelo menos um dos pés em outro ponto. A água vai arrastando a areia e, com o vai e vém, os pés vão sendo cobertos pouco a pouco (ou não tão lentamente).
Tudo bem, eu não sei descrever o mar, nem nada disso. Mas eu me lembro de ficar horas paradas, desafiando o nada. O bom da praia, pra mim, são esses momentos em que tu foge um pouco da tua lucidez e de todas as regras que regem o mundo para prestar a atenção em coisas simples e prazerosas - tipo o vento, a água e enfim. Desprezando o calor e, bem... tentarei me manter firmezinha e não falar de outras coisas.
Férias, luz e a beleza das coisas imateriais!
Nossa, eu daria tudo para sentir essa tranqüilidade das lembranças agora. Na verdade, eu só preciso desse momentinho: afundar os pés na areia molhada por algum tempo e conseguir não pensar em nada; olhar pro chão e entender o que pode ser aprendido com detalhes realmente incomuns.
Talvez a cena só te diga que existe hora de agir, que nem sempre o ficar parado - ainda que numa boa - te leva ao melhor caminho. É, eu não gostaria de ter dito algo assim. Eu pensei em tanta coisa legal e agora ficou banana de escrever isso. Tanto faz. O que importa é não se deixar levar (haha).
E as coisas andam tão inconstantes que já nem sei onde procurar essas mensagenzinhas.
Talvez os homens compliquem demais. Ou talvez seja só eu.
Mas eu ainda acho que tem alguma coisa por trás disso - porque
se você parar pra pensar, vai ver que não é tão diferente...

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Sad but true.

Esses russos! Acho que esperam até que um vírus os deixe constipados para registrarem o nome dos seus filhos. Como se fizesse parte de um ritual de iniciação espirrar ao dizer o nome da criança ao funcionário - e este o escreve como o ouviu, exatamente como ouviu. Só pode ser essa a explicação para tantos nomes impronunciáveis... É, eu fico pensando esse tipo de coisa quando as pessoas ao meu redor não parecem interessantes. Vou te dizer que acho desconfortável ser alvo desses olhares penosos. Eu fico sem graça até para cuspir o caroço de azeitona no guardanapo, o que eu acho um tanto patético. É divertido tentar mirar o caroço na lixeira e passar horas fazendo pontos imaginários. Sério, como as pessoas não têm criatividade. Tanta coisa para fazer e elas se enfiam, nesse fim de noite, num celeiro abandonado para beber e ouvir essas porcarias. Isso não é música... ah, mas não é mesmo. Tudo bem, eu exagerei quando chamei isso daqui de celeiro. Eu só sei que é de madeira e consideravelmente grande, numa área mais afastada - até pelo barulho que essa gente faz. Como se fossem animais no cio, só que sem algum motivo aparente. Eu olho para esses garotinhos e, ai, me dá tanta vontade de viajar no tempo e no espaço, chegar logo na Escócia de homens machões e de saia - eles não têm essas frescuras de dizer que tudo é coisa de viado. Eu acho um tanto depreciativo da parte dessas garotas passar uma ou duas horas na frente do espelho para encherem o rosto de pó e virem desfilar para esses trastes. Essas são as pessoas com quem ando ultimamente: inexperientes que posam de deuses e humaninhas querendo ser deusas. É, soou meio estranho. Daqui a pouco eu vou subir naquela camionete, lá na frente, deitar naquela parte de trás e ficar olhando pro céu. Bebendo sozinha. Bom seria se eu tivesse como ouvir minhas músicas daqui, sabe, pelo menos isso. Quando eu cheguei tinha um cara vomitando, e ele sentou no chão para beber água e ficou me encarando com os olhos vermelhos. Eu tenho uma cicatriz muito ruim na panturrilha, que faz muita gente me perguntar o que foi que eu tatuei. Eu não sei o que passa na cabeça dos outros quando eles me enxergam com esse ar de anormal. Eu menti quando disse com quem tenho andado. A verdade é que eu não só não tenho andado como também não tenho ninguém para andar, se fosse o caso. Tudo bem, ninguém já é demais... - perceba como sou irônica. Ai, adoro quando eu dou esses sorrisinhos sozinha, espontaneamente, e aquela garota de vestido vermelho olha para trás e cutuca o namorado, de quem ela deve pensar que eu estou afim. Até parece! Faz um século que eu não saio com garotos. Bom, pra dizer a verdade onteontem eu saí com um carinha, mas eu não posso dizer que valeu a pena. Esses amigos da Gabrielle sempre aparentam ser uma coisa e, quando eu vejo, são tão mais sem sal. E foi ela quem me trouxe aqui, aliás. Diz ela que "a festa vai bombar" e essas coisas. Eu fico feliz pela parte da bebida ser liberada (ainda que isso traga algumas conseqüências bem clássicas e infelizes) - até acabar. E eu nem paguei muito caro não - eu sou menina. As flores sempre pagam menos. Eu francamente não sei o porquê, mas não sou eu que vou reclamar, né? Acho ótimo, bem melhor do que ter nascido na Rússia, com nome de espirro. E cá estou eu, com passos lentos e desequilibrados, chegando perto da camionete vermelha. Eu não sei quem é o dono, mas ela parece ser bem confortável. Melhor espiar: não seria surpresa encontrar um casal escondido. Não tem ninguém. Ninguém. Ah, que perfeito! Pena que isso não vai demorar muito para acabar. Se eu disesse pra Gabrielle que estou louca para dar um basta ela tentaria dar um basta na minha loucura. Bem assim. Quando eu falo sozinha, ela imagina que eu esteja me relacionando com as azeitonas, veja só! Eu escondi uns doces no bolso. Não foi tão escondido assim, porque alguns estranhos viram e comentaram entre eles. Até aquela magriça do vestido vermelho. Doze doces para distribuir entre algumas horas... Eu nunca pensei que fosse gostar tanto de sentar num capô, com docinhos e absinto. Só faltava música. Tudo bem, isso parece ser realmente digno de incompressão. Eu poderia facilitar, dizer que prefiro mil vezes aquela clínica e toda a sua luminosidade do que esse celeiro imundo, cheio de pessoas e seus capuzes. Mas eu vou negar isso até o final... e quando não restar ninguém eu vou ser tão, mas tão feliz. Seremos eu, você, o celeiro, a camionete, o absinto, os doces que sobrarem e mais ninguém. Quero ver cada capuz cair, um a um. Eu sei que não sou imortal, foi um acidente eu ter sobrevivido. Mas não vão mais rir de mim por isso, não por isso e nem por nada. Nem a Gabrielle, nem ninguém. Nem ninguém! E talvez seja melhor sem música... ver as pessoas gritando, agora com motivo. E a lua fica realmente bonita refletida nessa lâmina. Adoro meus sorrisos espontâneos. Você também adora, não adora?

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O'Clock

Ele deixou cair a merda do relógio e ficou me olhando com aquela cara de quem não sabe o que fazer, pensando que ele era um desastrado mesmo, mas que tudo seria melhor se eu não gritasse tanto. Bufei e chutei um pouco de terra pro alto e saí andando campo afora. É sempre chato quando não se tem um lugar aonde ir quando a gente precisa de um. A minha vontade era de pegar as coisas e sair por aí, como a gente vê nos filmes. Só que, como eu disse, isso só dá certo nos filmes.

Eu não queria admitir que o que ele fez foi realmente inocente, mas eu não podia deixar de culpá-lo por ter destruído o meu único elo com, bem, eu simplesmente não tinha como agir com indiferença. Não foram ovos quebrados, nem um vidro de perfume, nem nada que valesse algum dinheiro: era só o meu relógio, o meu relógio. E, agora, nem mais ver o tempo passar eu podia. Era a minha motivação.


Está certo que, às vezes, os ponteiros param e a pilha é trocada, mas isso não muda o fato de que aquele objeto em especial era intocado. Eu sempre o guardava num bolso, próximo ao peito - enrolava a corrente pelo qual estava pendurado o medalhão e mergulhava o pequeno embrulho metálico no bolso. Se você quer saber, ele não fora do meu avô, nem resistiu à Primeira Guerra Mundial, nem nada assim. E talvez não fosse tão bonito mesmo, mas significava muito.

Eu nem deveria falar disso agora. O que importa é que o infeliz do Larry vai choramingar a noite inteira por causa do ocorrido, vai me oferecer seus óculos (iguais aos do Neo) e o que for para não se sentir em dívida comigo. E eu estou pouco ligando. Ok, isso é mentira. A culpa foi dele, toda dele - talvez não totalmente. Ele é um bom amigo e fica nervoso com facilidade. Tipo aqueles idiotas dos filmes, que gaguejam e usam o mesmo corte de cabelo de quando tinham uns seis anos: ele é o perfeito idiota.

O problema todo é que ele não tem vontade própria e é totalmente submisso ao que eu e todo mundo achamos dele. Ser bom em física deveria ter como recompensa alguns benefícios, tipo músculos e garotas. Ou não. Eu sou bom em física e não tenho nada disso, senão um amigo idiota e um relógio quebrado. É até irônico não poder ver o tempo correr nesses momentos de crise. A moral do relógio era essa, só essa. Eu o comprei durante uma fase nebulosa e me fazia bem deitar na cama e ficar seguindo os ponteiros com os olhos, ainda que isso pareça sacal.

Pensei em aceitar os óculos, mas isso não seria justo com o Larry. Oh, Deus, ele é tão idiota. E eu me sinto como ele, idiota, quando falo de uma coisa que eu não acredito. Eu tenho este hábito de falar sozinho também, em voz alta, e já surpreendi muitos desavisados com isso - essa gente que entra no meu quarto achando que é o banheiro e encontra um marmanjo deitado e conversando com as paredes. Eu moro em uma pensão, no último quarto do corredor. A minha maçaneta está estragada, antes que alguém pergunte. Eu fiquei de arrumar, mas isso foi há quatro meses.

A minha mãe me manda dinheiro para o aluguel, para o resto eu me viro. Aquele relógio custou uma puta grana, na verdade, muito mais por ser antigo do que qualquer outra coisa. O vi dentro de uma caixa marrom e pequena, sob uma espécie de cofre de vidro, onde ficavam expostas as jóias da loja. Era uma típica loja de velhos negros que gostam de Jazz e ainda estão à procura de alguma mulher para presentear. Eles são sempre assim aos meus olhos. Não me parece mau... é, nada mau.

A verdade é que, junto com o relógio, se foi todo um lance de memória, afinidade, essas coisas com um quê de afeto que fazem a gente parecer mais meloso do que realmente é. Tipo quando se dá um buquê de rosas para uma garota, desejando que ela, enfim, te receba de portas bem abertas. É uma maneira fácil e indolor de conseguir que ela te veja com bons olhos quando, no fundo, você não só não foi nada original como foi incapaz de realizar a façanha de escrever um cartão com algumas palavras que enfeitassem um pouco a sua mentira.

Eu não sou dessas pessoas que cortam o cabelo para começar uma nova vida, mas eu tenho manias tolas e cadarços que me dão sorte. É idiota falar isso, eu sei - droga, nem o Larry tem essas idéias -, mas eu aposto como existe mesmo troca de energia entre alguém e um objeto de suma importância. É como se aquilo te desse força, tipo um escapulário. E eu que pensava que era o mais cético dos céticos.

E, se eu pensar bem a respeito, concluo que esse apego às coisas se deva a minha falta de apego com as pessoas. Autoanálise não funciona, eu sei, e não é essa a minha intenção. A moral é que eu estou sentado nesse quarto há umas vinte horas e não sei o que fazer e nem o tempo exato que eu gastei escrevendo isso. Eu deito na cama e torno a levantar, eu olho pela janela e vejo a chuva molhar a terra e a grama e todas aquelas plantas que eu não sei nomear. E quem se importa com aquelas plantas - que, por sinal, não são roseiras - ? Parece até que o mundo é feito de cães, humanos e rosas.

O fato é que o Larry é um doente e eu vou demorar até encontrar algo para me entreter. Eu deveria arrumar a maçaneta e deixar de me preocupar com esses hóspedes que não sabem ler placas em portas. Eu deveria, eu deveria, eu deveria tanta coisa... Só não quero aceitar que eu matei o tempo para me dedicar àqueles ponteiros e agora só a corrente está inteira. Que vida desperdiçada, cruzes. De qualquer jeito, eu sempre tive que encontrar algum lugar para chamar de meu. Seria mais fácil começar pelos músculos, pela tática das rosas, pegar a mochila e sair por aí... mas eu não sei a hora certa para agir. Nunca soube.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Sides.

O lado bom da imparcialidade é que, de fato, ela não lhe oferece uma inimizade.
O lado ruim, é óbvio, é a ausência de proteção.
O lado bom de falar sem pensar é uma verdade espontânea - que nem sempre oferecesse seu melhor ângulo.
O lado ruim de pensar e pensar é acabar não falando, ou reprimindo certas emoções.
O lado bom de ousar é manipular sua insegurança.
O lado ruim de tudo isso é que você não pode manipular a confiança que os outros depositam em você.
O lado bom de viver como um desgarrado é poder ter sempre um novo presente para conhecer.
O lado ruim é ter uma história longa, mas recheada de acontecimentos vazios.
O lado bom de pensar nisso tudo é a sensação de aprendizado.
O lado ruim vem do martírio, da nostalgia. E do sentimento de que algumas feridas ainda latejam.
O lado bom de escrever é colocar para fora parte do grit
o.
O lado ruim é o medo da interpretação e da exposição. Mas, se a folha for arremessada na lixeira, é como se fosse uma memória não vivida e descartada - e, sabe-se, mais cruel do que a lembrança é a sombra da indiferença.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Manuscrito.

E, assim que a porta bateu, os belos olhos se voltaram para o manuscrito que repousava sobre o travesseiro. Teria o tempo de um banho para vasculhá-lo, encontrar o que queria e devolvê-lo ao seu lugar de origem, com a aparência de intacto. Não seriam poucos minutos o problema, mas o virar ou não de páginas.

Clara era uma jovem bonita, de cuja pele fazia jus ao nome. Podia ter aos seus pés quem quisesse sem muito esforço. Sofia não era muito diferente disso, apesar de gostar menos de exposição. Se conheceram e desenvolveram uma relação incomum de afeto, onde a dependência que uma tinha da outra era constantemente perturbada pela rivalidade.

O tempo de um banho seria suficiente. Mais que o suficiente, pensou. A convivência com a dona das palavras fora útil, uma vez que ficara fácil trapaceá-la depois de ouvi-la falar sobre suas manias mais particulares. O hábito de contar seis dedos de margem e então alinhar o diário ao contorno imaginário fora uma descoberta essencial - um centímetro a mais ou a menos denunciaria uma invasão de privacidade.

Abaixou o volume da música, temendo que os passos fossem abafados. Ajoelhada do lado do rádio, com as mãos sobre os joelhos ossudos, hesitou por mais alguns segundos. Já tinha resistido demais. Engatinhando em direção ao beliche, confirmou com o canto dos olhos que a porta fora bem fechada.

Com dedos trêmulos e magros, acariciou a capa peluciada que embalava aquele recheio de segredos. Pegou o diário com as duas mãos bem firmes, mas não pôde impedir que uma foto escorregasse do meio das folhas. Atrapalhada, resolveu continuar a busca e deixar para depois a solução para o imprevisto.

Letras de música, recortes e rabiscos preenchiam aquelas páginas virgens, que sequer traziam linhas. Notas de trabalhos, medidas de busto, quadril, altura, amostras de cabelo presas com durex. Sofia reconheceu seus fios castanhos entre os demais e sorriu carinhosa e silenciosamente. A alegria e a sensação de bem-estar não demoraram a desaparecer.

Os olhos belos passaram de lacrimosos a perplexos e o nervosismo só não foi maior porque a surpresa, no caso, fora uma confirmação. Não duvidava que Clara fosse capaz de fazer o que fez, só não esperava que fosse verdade - mais ou menos esse filme passava em sua mente. O problema agora não era descobrir o que tinha realmente ocorrido, mas como conviver com uma desconfiança que nascera sem motivos e crescera a ponto de comandar ações.

Fechou o manuscrito com um tapa e ajeitou-o sobre a fronha com tal violência que amassou-a consideravelmente. Alimentar uma ilusão é uma coisa, vê-la sair de seu controle é outra. Não dominava mais a situação no papel de vítima: agora Sofia podia ser tão culpada quanto a amiga. "Amiga".

Não é à toa que Clara se mostrava tão carinhosa... provavelmente era um jeito de se redimir. Seria de melhor praxe mudar o vocabulário para uma direção mais coerente - quem sabe se tentasse argumentar, explicar seus sentimentos? Clara não faria isso. Clara não fez isso.

Uma garota tão racional - a outra tão flexível. Uma de língua afiada, a outra um tanto passiva. Uma de humor negro e cigarro, a outra de gatos e vinhos. Uma de branco no preto, a outra de preto. Só preto. Talvez não combinassem em tudo, talvez nem combinassem no mínimo - o fato é que seus laços eram realmente incompreensíveis para observadores novatos. Nem nós, nem laçarotes: eram laços impecáveis, fortes, simétricos.

Quando a toalha voltou ao quarto, dessa vez molhada, foi atirada na cama com indiferença. Sofia mais uma vez estava sentada no chão, do lado do espelho vertical, com as costas repousando na parede fria e úmida. O rádio do lado, em volume mais alto do que o normal.

Clara agitou os cabelos, de forma a jogar água na garota. Completamente nua, se abaixou para fitar os olhos belos. Levantou-se silenciosa, esticando os braços para o alto e observando seu corpo no espelho. Questionou se tinha engordado, obtendo um não como resposta. Passos para trás e uma coisa grudada no pé direito: entre o indicador e o polegar de Clara estava a foto que caíra do diário.

Assoprou para fora da foto algumas gotas cristalinas e fixou-a num porta-retrato da escrivaninha, esboçando satisfação ao fazê-lo. No fundo, não era o que sentia. Sabia o que tinha acontecido, mas ainda não entendia sua posição quanto a isso. Achava realmente mais fácil ser lida do que ouvida e não esperava reação diferente de Sofia quanto à notícia - embora, em seu íntimo, quisesse acreditar que a garota não tocaria no manuscrito.

Se encararam por alguns segundos, Sofia encostada na parede, abraçando as pernas magras, e Clara sentada na cama, com o tronco pendendo para a frente. Se entendiam completamente, conhecendo a situação em que a outra estava e o que supostamente sentiam. E sentiam como ninguém. A frieza de uma era corrompida pela ingenuidade da outra. Eram como sombra e luz, num jogo de amor e sofrimento. E o manuscrito era só um capítulo à parte.



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