quarta-feira, 14 de julho de 2010

Impossível


ele está sempre tentando conquistar um novo eu. me vê por aí, me encontra, me ouve falar sobre as coisas que odeia. e me busca nos outros, me busca nos olhos das jovens desencontradas. ele sabe que não é a mesma coisa, sabe que, por mais inocente que seja a adaptação, a cópia nunca será fidedigna. se não sabe, é porque ele é mais tolo do que pensa ser. ora, se isso é possível!

vê a luz acesa pela janela e bate à porta. quando não sai correndo ao escutar os passos a se aproximar, ele se mantém estável, rígido, honesto com sua maldade. observa minha aparência e analisa os pontos que nos mantêm reféns de nossas inseguranças e semelhanças. depois foge, dando risada. ele tem medo até da própria sombra, por isso não olha para trás ao correr. prefere a dor do tropeço do que a ferida no orgulho.


vai e vem, foge e volta. tão alegre e destemido e dependente e deprimente ao mesmo tempo. rarefeito. mas feio. me procura como se eu fosse fácil de ser encontrada, como se eu fosse suficientemente simples e intocável. e imperfeita. mas mesmo os imperfeitos são perfeitos em alguma coisa. isso pode tornar tudo muito chato, mas contradiz o vazio. ah, o vazio. conhecido vazio. amargo.


enxerga em mim um alguém e, quando encontra um qualquer capaz de me ilustrar, descobre que a interpretação mudou. que o disfarce mudou, que as páginas mudaram, que as cores são outras. e volta a procurar na multidão a nova gravura de mim. como se eu fosse adesiva e colecionável e descartável. talvez sua dor seja essa, a de querer que eu seja finita e descartável. mas há profundidade em ser quem sou.


esse jogo de claro e escuro, de não e de quase-sim, me enoja. não sinto desejos nem desejo que ele sinta. que seja feliz, que não seja - tanto faz! mas que, seja o que for, seja longe de mim. seja fora de mim. que ele esqueça meu rosto, que se desapegue dos meus medos e fraquezas, que deixe de se fascinar com o pouco e o muito que sou. que ele deixe de se enganar ao gastar seu tempo com réplicas tortas. que ele deixe de me confundir, que pare de se perder em mim.


não há sintonia. só há drama. ele me busca e não me encontra. me encontra e recomeça sua caçada. como se já não bastasse eu ser presa de mim mesma! ele quer que eu reconheça seus gritos e lágrimas, seu arrependimento, seus feitos gloriosos. quer elogios, sorrisos, gestos plácidos. quer de mim o meu melhor, sem se preocupar com o que eu realmente estou disposta a ofertar. tolo a ponto de cegar-se diante do impossível.



2 comentários:

Carolzitcha disse...

sou tua fã. meu bem :)

Stigger disse...

Ótimo texto, apesar de triste...

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