sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

pt. 2

- Alô?
- Não vai trabalhar hoje?
- Lorah? Olha, eu já estou indo para o escritório... - A garota pressionou o telefone entre a orelha e o ombro, enquanto abria apressada gavetas e caixas.
- A reunião começa em quarenta minutos.
- Eu sei, só estou procurando uns papéis...
- Você o quê? - Lorah pigarreou, tirando da boca o cigarro que fumava.
- Uns papéis, eu...
- Eu entendi. Escuta, esse cliente é realmente importante. Eu espero que ele não custe sua demissão. - Ela era ruiva, estava na faixa dos quarenta e poucos anos. Vestia um conjunto de calça e tailleur rosa-cereja, que destacava sua boa forma. A maquilagem não estava exagerada e os sapatos reluziam. Ainda assim, não era exatamente uma mulher bonita. A obsessão pelo cargo mais alto da empresa não era disfarçada por nenhum perfume francês.
- Hey, calma. Eu tenho acesso à segunda via... - O telefone voltou para a mão delicada que o segurava antes.
- Isso é um documento importante, não apareça com xerox vagabundo.
- Tá, tudo bem, eu já estou indo... já achei minha pasta. - Ela abriu uma pasta vermelha, despejando no chão seu conteúdo: folhas e mais folhas - e uma lapiseira verde sem grafite.
- Ótimo. Elegante e pontual, não esqueça! - Frisou. - Você não pretende usar seu cachecol lilás, não é?
- Bem, eu... - Desenrolou desajeitada o cachecol do pescoço, atirando-o sobre o travesseiro, com o mesmo olhar de quem se livra de uma granada. - Não. Estou com aquela saia azul...
- ...que tem uma mancha amarelada na coxa? Nem pensar! Meu cliente não precisa saber o que você come no almoço pela gordura das suas roupas. - Apesar da arrogância, a mulher se divertia ao batucar os dedos num pequeno aquário que enfeitava sua mesa.
- Bem, e... - Sentiu raiva, mas sabia que a chefe não estava mentindo. Sentada no chão, procurou qualquer sinal de roupa preta - peça-coringa em qualquer ocasião. - ...aquela camisa branca com a gravata azul-marinho?
- Negativo! Eu quero que ele te veja como uma mulher, não como um espelho.
- Puxa, me ajuda! - Ela estremeceu. O contrato não estava na pasta.
- O vestido verde. Eu odeio admitir, mas você fica ótima com ele. Capriche no batom.
- Hum... ok. Chego em vinte minutos, tudo bem?
- Me faz um favor.
- O que foi?
- Nada, esquece. Vem logo. - Colocou o telefone no gancho, sem esperar uma resposta. Pensou em pedir para a assistente comprar flores no caminho, para presentear o tal cliente esperado, porém temeu que a jovem usasse os mesmos critérios na escolha das plantas e das próprias roupas - isso seria uma catástrofe.
Analisou a sala ao seu redor, como se procurasse encontrar alguma resposta em um móvel ou quadro. Voltou a pegar o telefone.
- Sra. Mouk?
- Me direcione para o 03-B, com urgência.
- Ok, um segundo. - Respondeu a telefonista. - A linha 03 está ocupada.
- Merda. - Os olhos fitaram rapidamente os peixes do aquário. - Tenta de novo.
- Senhora, o sinal continua inativo...
- Ah, pára! - Gemeu emburrada. - Trate de falar com esse infeliz e fazê-lo entender que eu preciso dele agora, na minha sala. - E mais uma vez fez estrondo com o aparelho, ignorando qualquer resposta.
Girou uma pequena chave, que já estava encaixada na fechadura da primeira gaveta sob o tampo da mesa. Pegou um controle remoto pequeno e o acionou. Na televisão, que estava sobre um suporte distante, rapidamente apareceu a imagem de um quarto bagunçado. "Essa menina insiste em usar esse cachecol", pensou.

[CONTINUA]

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