Eu gosto da tua família aos teus olhos. Gosto de me imaginar na mesa, como se fosse uma mosca que pousa na salada de batatas, quase invisível aos debatedores que insistem em fazer uma retrospectiva dos sucessos alcançados nos últimos meses. Gosto das disputas, das palavras ousadas. Gosto da força e da espontaneidade com que as verdades aparecem. Não sei se todas, mas algumas - as que parecem importar e dar forma ao conteúdo emaranhado. Estranho, mas o meu emaranhado não te assusta. A minha bagunça não te desorganiza. Mas tua bagunça desperta algo ruim em mim, o qual eu gostaria de poder evitar. Mas algumas palavras não podem ser adiadas. Imaginei os vários nãos que tu dirás aos teus filhos. Daqueles nãos firmes, mas ao mesmo tempo reconfortantes, como se guardassem um lugar seguro. Quando muito é permissivo, a gente se sente perdido. Poder escolher compreende, antes de qualquer coisa, delimitar. Dar nãos. Mas, mesmo buscando contrariada os teus nãos, tu me ofereces talvez e alguns porquês. Não gosto de cobranças, gosto de conversas. Nossas conversas estão entre minhas favoritas, justamente por permitirem voltas e mais voltas, mas partindo de um ponto e necessariamente terminando em outro. São sucessões de novidades, apesar de muito falarmos do cotidiano, que passa batido para muitas pessoas. Me apaixono por determinação, intensidade, impulso. Me apaixono por quem sabe escutar e acolher, sobretudo por quem não muda sua opinião e ainda assim consegue respeitar e valorizar outros modos de pensar. Me apaixonei por tua família ser tão defeituosa. Por teus amigos serem tão fracos, apesar de divertidos e companheiros. É gostando desse gradiente que me aproximo da tua história. Talvez da nossa história. Não sei quando algo pode vir a ser ou deixar de ser nosso, representar um "nós". E não tenho pressa em saber. Tampouco os debatedores da hora da janta, presos em suas falas enérgicas e agarradas ao passado. Será que já passamos e nem vi? Acho que não. Espero que não. Espero teu não para que eu possa dizer meu sim.
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
sábado, 26 de dezembro de 2015
Carta ao amigo ingênuo
Eu sinto que, saindo da minha boca (ou das minhas mãos), essas palavras podem não receber a devida importância, mas vou dizê-las mesmo assim. Eu sei que, apesar de contrariado, você está sendo ingênuo. Seus amigos te mostram isso. Mas, fique calmo, a ingenuidade não faz de ti um tolo. Eu entendo que você queira oferecer votos de confiança, que são essas apostas na sinceridade que movem suas escolhas pessoais e até mesmo profissionais. E que tudo pareceria sem sentido se, de repente, você se desse conta de que a sinceridade nem sempre é um objetivo comum. A comunicação nem sempre é um objetivo comum. Dar certo, seja lá o que isso quer dizer, nem sempre é um objetivo comum. Imagino que, para chegar ao ponto de pedir socorro, você tenha percebido que já não cabe em si, que o desespero é tanto que precisa ser esculpido a partir de longas conversas até virar um texto bonito ou, ao menos, um discurso claro (e nem por isso menos cinzento). Um discurso sincero. Não fica chateado comigo, mas não é raro nossa maior qualidade ter um lado-defeito e um lado-perfeição. E a dificuldade em ser ingênuo é justamente continuar sendo ingênuo, apesar dos tropeços nas mentiras que estão por aí. A beleza da pureza, da inocência, é a mais difícil de ser preservada, a primeira a ser invadida e alvo de palavras pontiagudas. Você vai precisar de maturidade para lidar com isso e não perder essa sua grande qualidade. Não minto quando afirmo que valorizo a ingenuidade. De pessoas amargas o mundo está cheio. E pessoas que se consideram "realistas" tendem a ser pouco otimistas ou até cruéis, como se fossem donas da verdade, de uma verdade sem potencial de transformação. Ingênuos, como você, dificilmente sabem de alguma coisa. São uns perdidos, uns sonhadores e, por vezes, parecem viver na indecisão dos "talvez", dos "e se" e levam um tempo a mais para formular afirmações. Vivem de hipóteses, inspiram idéias, expiram dúvidas. O motivo para tanta busca é que elas estão muito mais interessadas em olhar para os outros, tentar entendê-los, decifrar novos mundos... Sim, o preço você já sabe: ao sair para explorar outros universos, a porta do seu ficou aberta - sabe-se lá quem entrou, a bagunça que fez, o estrago que ficou e o tesouro que foi levado. Sabe-se lá! Mas ambos sabemos que fechar a porta só fará com que você se guarde num quarto vazio, sem vento, sem música. Lembra da redoma de vidro? Manter-se fechado, por mais que as paredes sejam transparentes e possamos observar o que se passa lá fora, é um meio de não se deixar crescer. E nós todos já passamos dessa fase ao enfrentar nossos medos antigos. Mas, por favor, não se torne indiferente. Esse é meu apelo! Não permita que o machucado se espalhe, que a ferida tome conta do seu corpo e te paralise. É somente quando conseguimos nos aproximar dos outros que experimentamos o conforto do calor do abraço, a umidade morna dos beijos, a delícia dos afetos. Você vai precisar continuar saindo ao sol, mesmo que eventualmente seja surpreendido por uma chuva congelante. Faça isso por mim e pelas pessoas ao seu redor. É inspirador! Como eu disse, não precisamos de mais vozes para constatar o que não vai bem, o que não funcionou e o que ainda pode dar errado. Para brindar os fracassos, já temos várias taças rachadas. Mas precisamos de novidade. E, eu sei que você sabe, você está sendo ingênuo agora. Talvez até mesmo tolo! Mas nenhum de nós iria tão longe para ousar descobrir a seqüência dessa história. Eu disse que ninguém além de você se permitiria desprender-se, abrir mão de ser o autor do próprio roteiro. Provavelmente já teríamos escrito o capítulo final há algumas páginas, resignados com nossas decepções precoces. Parece mais lógico encerrar tudo logo, elencar algumas frustrações como um limite, uma forma de prevenir danos piores. Mas, por ingenuidade, o livro ainda não está completo. Por favor, continue a história.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
Satellite of Love
Sem saber o quanto faria sentido
para mim, uma pessoa querida me mostrou uma poesia de sua autoria em que identifica
um relacionamento amoroso como um “compromisso com a ilusão”. Achei essa expressão
ao mesmo tempo linda e assustadora, perfeita para pensar sobre uma situação que
estou vivenciando, que parece mais intensa em função de estar presa no plano
das idéias, do imaginário. Será que é perceptível minha confusão? É tão difícil
não saber se o que eu penso corresponde à realidade. Tenho tantas idéias que,
seja qual for a mais plausível, não deve se parecer com a verdade. E tenho me
questionado muito sobre a influência disso no que eu sinto. Eu amo uma pessoa? Uma
idealização de pessoa? Amo como ela faz eu me sentir? O que interfere nesse
sentimento? Nunca pensei de forma determinista e inflexível sobre
relacionamentos. Cada pessoa é um planeta singular, cada interação representa
um universo. Lembro de ainda bastante jovem, de forma um tanto dramática, me
questionar se eu deveria desinvestir de uma possibilidade de relacionamento em
função de um envolvimento temporário da pessoa por quem eu nutria expectativas
com outra. É necessário e obrigatório “desistir”? Me questiono o mesmo novamente,
mas agora contrariada de tal forma que começo a pensar que sou surpreendente
mesmo para mim. O “compromisso com a ilusão” tem a ver com construir algo de
forma conjunta, expectativas e planos a dois (ou a três, quatro... depende da
concepção de família e de até onde chega esse compromisso). E, mais do que
sonhar junto, é se enganar junto. Enfrentar os problemas, mas também deixar de
percebê-los em alguns momentos. A completa transparência pode ser mortal, bem
como a cegueira do escuro. A luz é o que possibilita os nuances, os sabores, as
aproximações, os encontros e desencontros. É a luz quem possibilita a dança dos
afetos, do fascínio e da frustração. Mas tudo isso se torna imperativo, pois é
necessário se comprometer com um ideal de felicidade, amor, interação, envolvimento.
Eu não sei o que de fato está acontecendo. Mas, na verdade, a gente nunca sabe.
Nunca tem certeza. E, se for pra viver se corroendo por dúvidas, questiono por quanto tempo é possível essa existência. Não consigo identificar o momento em
que a curiosidade ganhou status de desconfiança. Logo eu, que sempre confiei no
que me diziam, me vejo agoniada e ao mesmo tempo decepcionada por depender de
respostas que não são minhas. Não gosto dessa sensação, mas não vejo saída. E parece
irreversível, o que só piora meu medo. Então, dependendo do que eu descobrir,
devo alimentar mais ou menos os meus afetos? Eu posso controlar isso? Deveria poder
fazê-lo? Só gostaria que fosse possível retornar ao ponto em que as dúvidas
eram vagas e não incomodavam, eram apenas afirmações sobre um planeta que não é
o meu. Estranho estar tão apaixonada por um universo, independente de quem seja
realmente seus planetas.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
mimimi.doc
Não lembro de ter me sentido tão ansiosa antes em função de
algo que não fosse relacionado a doenças ou mesmo dramas da profissão. Eu sou
alguém que facilmente cria expectativas (talvez muitas bastante distantes de
serem proporcionais à realidade), imagino que isso não seja novidade. Mas a
maneira como venho me sentido não é familiar. Ando pensando em várias situações
passadas, tentando avaliar como eu era em diferentes épocas, as mudanças, essas
coisas... Só consigo chegar à conclusão de que algumas das pessoas com quem me
envolvi já cumpriram suas importantes funções na minha vida e se encaminharam
para destinos diferentes. Espero, sinceramente, que se sintam bem. E gostaria
de me desculpar por acreditar que eu realmente gostei de cada uma delas por sua
singularidade. Não é de todo mentira, mas eu costumava criticar os
relacionamentos em que um da dupla poderia ser substituído, quase que brindando
um excesso de excentricidade... e hoje me dei conta do quanto errei em função
de buscar ser original. Eu era espontânea, mas namorei pessoas substituíveis. E
poderia ter sido alguém melhor se não me importasse tanto com me tornar
memorável. Convenhamos, já vivia em mim muito drama e medo. Sempre me
identifiquei com essas meninas tristes que assistem os outros serem felizes.
Que ficam verdadeiramente alegres pelos outros, mas sentem que não encontraram
seu lugar no mundo e esse mimimi. Que ficam pra tia. Mas eu sou filha única e
nem isso pareceu ser uma opção plausível. Acho que por muito tempo me poupei da
solidão estando acompanhada por pessoas que, em sua maioria, foram bacanas e me
ajudaram a me descobrir internamente, ainda que isso não fosse uma tarefa tão
tranquila. Mas eu buscava relacionamentos, precisava estar com alguém do lado.
Fico me perguntando o quanto estou diferente, se estou me enganando ao pensar
que tenho agido de outra maneira nesse momento. Mas foi só me imaginar de novo
em um desses namoros mornos que a vontade de ocupar esse papel passou. Eu não
quero mais viver isso. Não quero apresentar para familiares e amigos alguém
transitório, que ficará por algumas semanas até que a paixão desapareça.
Preciso que faça sentido para mim, não para os outros. Preciso que essa pessoa
me conquiste. E queira ficar. Percebo que eu facilitava muito as coisas para
que ficassem perto de mim. Não me considero alguém de difícil convívio. Me
adapto bem. Mas conquistar não tem tanta graça se o objetivo se perde. Não
preciso de alguém substituível ou de uma pessoa em determinada função. Quero
que seja-quem-for abra espaço, me visite e encontre em mim um lugar seu. Sem
que eu tenha controle sobre isso. Por favor, não me deixe poder controlar nada
disso! Eu vou estragar. Quero que me bagunce em nome de algo maior, que faça
valer cada sentimento, cada nuance de emoção. Quero sentir! É só o que sei. Quero
a certeza de que é válido me expor, abrir as janelas, confiar. Cansei de
correr, de fugir de mim, de sair do lugar. Meu lugar sou eu mesma, seja aonde
eu for. É tudo o que eu tenho, é quem eu sou. Não quero me buscar em outras
pessoas, quero ser encontrada. E, apesar da ansiedade ser uma manifestação de
um pensamento situado no futuro, nunca me fiz tão presente quanto hoje, quanto
agora, quanto a cada segundo. Nunca fui tão eu.
terça-feira, 6 de outubro de 2015
Sobre fases
Penso que dividir a própria vida em "fases", algumas bastante subjetivas e singulares e outras mais coletivas, faz parte de afirmar pra si mesmo que está evoluindo ou, ao menos, saindo do lugar. Não consigo perceber como isso poderia deixar de acontecer na sociedade atual. Se aproxima muito do efeito "ano novo", com promessas e expectativas. Essas datas comemorativas e alguns ritos de passagem, em geral, me causam desconforto. Não exatamente por não ver neles sentido e/ou não me encaixar. Talvez seja exatamente por isso, na verdade. Mas me incomoda a constante reprodução de coisas sem qualquer reflexão sobre o assunto. Comecei a escrever achando que seguiria uma direção mas, para variar, me perdi. Acho que eu mesma fiz muitas dessas "agora não sou mais daquele jeito tal, sou desse". Se eu ignorar a vergonha e não tiver nada melhor pra fazer, encontraria vários desses momentos registrados nesse blog. E, nas últimas semanas, esbocei bastante dessas experimentações. Tirei o último dos sisos. Em teoria, estou crescida e não deveriam me perguntar mais o que eu quero ser quando crescer, o que é muito triste. Como se a gente crescesse e deixasse de desejar ser alguém especificamente. Mas concordo com o comentário sobre borrar as barreiras, considerando que (pelo menos algumas) fases não existem. Adultez é uma farsa. Lembro de ter escrito uma vez que a única diferença é que os ditos mais velhos ou mais experientes negavam seus medos. Mas, enfim, a idéia de construções coletivas de expectativas para as tais fases é sempre perturbadora. Eu finalmente parei de roer unhas. O que não deixa de representar uma vitória, mas lá se foi uma parte de mim. Isso não me torna necessariamente mais apta, mais adulta, mais alguma coisa melhor. Mas sei que é encarado dessa forma por pessoas conhecidas. E as desconhecidas nem imaginam, o que me faz sentir como se eu fosse uma "enganadora". Mesmo com essas informações bobas. Mesmo sabendo que todos têm suas esquisitices. Acho que essa postura meio paranoica é emblemática na sociedade, esse prestar contas a todo mundo desesperadamente. Eu tento fugir disso, mas é quase como se fazer isso fosse causar uma impressão específica intencionalmente. Ou seja, não há saída. Eu não a conheço ao menos. E espero que nunca me torne alguém cheia de poréns e nuncas e do tipo que se sente muito velho ou sério ou sei lá para experimentar algo novo. Mencionei anteriormente essa representação de "iluminação" que algumas obras de ficção utilizam para falar das fases, especificamente sobre quando se "amadurece" (aliás, tem termo mais mesquinha do que esse?). Especificamente sobre quando se sai da fase adolescente e talvez até jovem para se tornar, enfim, um adulto. Um deles. Ou um adulto jovem, para não desperdiçar a beleza da juventude. Eu sempre fui perdidamente apaixonada pela adolescência, pelo confronto da inocência com as crises e as distorções e as verdades e todos esses conflitos emocionais característicos, movidos por discursos ideológicos e carregados de paixão. Ou apenas as revoltas e inquietações. Não fui porra louca, mas não abandonei grande parte dessas características. Acho que por isso gosto tanto de ler Salinger, aquele velho atemporal.
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
sereia
faz tempo que não sei quem sou. esqueci de mim. apertei as narinas para dar um mergulho, mas não retornei à superfície. fiquei imersa na imensidão, no caos, na suavidade que amedronta. esqueci do mundo. e voltei sem entender ao certo quanto tempo tinha passado. às vezes, isso ainda acontece silenciosamente. sempre que eu retorno de um mergulho profundo, não reconheço meus dedos nem os fios de cabelos boiando ao meu redor. é como se eu sempre voltasse diferente. e dessa vez não tem sido uma exceção. não sei quem está ao meu lado. nunca soube. em nenhuma das vezes, tive certeza. certezas e pessoas não combinam, não formam um par. e o que mais me assusta é perceber que eu não me conheço suficientemente bem para entender todas as minhas motivações e justificativas. existe intenção, vontade, chuva de emoções. existe verdade, razão e sentimentos. existe o mar e todo o mistério que o envolve. tudo existe. não há o que não tenha sido inventado. me reinvento toda semana, toda quinta-feira, toda vez que encho a caneca de sucrilhos, toda vez que percebo meu rosto no espelho. e, cada vez que eu retorno e as dúvidas parecem ter se multiplicado, é inevitável me afogar. nem sempre o pé alcança o chão. nem sempre existe fundo.
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