terça-feira, 6 de outubro de 2015

Sobre fases

Penso que dividir a própria vida em "fases", algumas bastante subjetivas e singulares e outras mais coletivas, faz parte de afirmar pra si mesmo que está evoluindo ou, ao menos, saindo do lugar. Não consigo perceber como isso poderia deixar de acontecer na sociedade atual. Se aproxima muito do efeito "ano novo", com promessas e expectativas. Essas datas comemorativas e alguns ritos de passagem, em geral, me causam desconforto. Não exatamente por não ver neles sentido e/ou não me encaixar. Talvez seja exatamente por isso, na verdade. Mas me incomoda a constante reprodução de coisas sem qualquer reflexão sobre o assunto. Comecei a escrever achando que seguiria uma direção mas, para variar, me perdi. Acho que eu mesma fiz muitas dessas "agora não sou mais daquele jeito tal, sou desse". Se eu ignorar a vergonha e não tiver nada melhor pra fazer, encontraria vários desses momentos registrados nesse blog. E, nas últimas semanas, esbocei bastante dessas experimentações. Tirei o último dos sisos. Em teoria, estou crescida e não deveriam me perguntar mais o que eu quero ser quando crescer, o que é muito triste. Como se a gente crescesse e deixasse de desejar ser alguém especificamente. Mas concordo com o comentário sobre borrar as barreiras, considerando que (pelo menos algumas) fases não existem. Adultez é uma farsa. Lembro de ter escrito uma vez que a única diferença é que os ditos mais velhos ou mais experientes negavam seus medos. Mas, enfim, a idéia de construções coletivas de expectativas para as tais fases é sempre perturbadora. Eu finalmente parei de roer unhas. O que não deixa de representar uma vitória, mas lá se foi uma parte de mim. Isso não me torna necessariamente mais apta, mais adulta, mais alguma coisa melhor. Mas sei que é encarado dessa forma por pessoas conhecidas. E as desconhecidas nem imaginam, o que me faz sentir como se eu fosse uma "enganadora". Mesmo com essas informações bobas. Mesmo sabendo que todos têm suas esquisitices. Acho que essa postura meio paranoica é emblemática na sociedade, esse prestar contas a todo mundo desesperadamente. Eu tento fugir disso, mas é quase como se fazer isso fosse causar uma impressão específica intencionalmente. Ou seja, não há saída. Eu não a conheço ao menos. E espero que nunca me torne alguém cheia de poréns e nuncas e do tipo que se sente muito velho ou sério ou sei lá para experimentar algo novo. Mencionei anteriormente essa representação de "iluminação" que algumas obras de ficção utilizam para falar das fases, especificamente sobre quando se "amadurece" (aliás, tem termo mais mesquinha do que esse?). Especificamente sobre quando se sai da fase adolescente e talvez até jovem para se tornar, enfim, um adulto. Um deles. Ou um adulto jovem, para não desperdiçar a beleza da juventude. Eu sempre fui perdidamente apaixonada pela adolescência, pelo confronto da inocência com as crises e as distorções e as verdades e todos esses conflitos emocionais característicos, movidos por discursos ideológicos e carregados de paixão. Ou apenas as revoltas e inquietações. Não fui porra louca, mas não abandonei grande parte dessas características. Acho que por isso gosto tanto de ler Salinger, aquele velho atemporal.

2 comentários:

Anônimo disse...

Acho que eu deveria voltar a ler Salinger. Porque em todas as vezes que li, a interpretação foi diferente. De certa forma concordo e discordo do início do texto. Acho que essas tais fases são só construtos sociais que servem como reafirmação, mais para demonstrar as outras pessoas do que a nós mesmos. Mas não tenho como deixar de pensar na analogia de que um rio é sempre o mesmo, mas ao mesmo tempo não é também. É acho que é assim que as coisas meio que funcionam. Nós somos os mesmos, mas parece que a cada dia, a cada coisa nova vamos acrescentando pedacinhos de informação que fazem com que sejamos ligeiramente diferentes do que éramos antes. Outra ótima analogia é a do barco. Uma barco começa a ser consertado. Peça a peça no decorrer de vários anos ele vai sendo consertado até o ponto em que cada uma das peças e partes foi trocada por uma outra mais nova ou em melhor condição. E ai fica a questão: O barco é o mesmo?
Acho que o fato de Salinger ser lido de maneira diferente em diversar partes ou anos tem a ver com isso. Porque representa que em determinado momento estamos alinhados com determinados contextos da história ou do próprio autor. “Em teoria, estou crescida e não deveriam me perguntar mais o que eu quero ser quando crescer, o que é muito triste”. Hauahuhauhauhauhauhahau. Sensacional. É engraçado como as pessoas querem de certa forma ver um futuro projetado em nós. Parece que temos que ter grande planos. “Vou abrir uma empresa no ramo de limpeza de gente cretina” “Que ideia genial!”. Por isso que eu acho que entendo quando Dante dizia que o inferno eram as outras pessoas. Eu tento ao máximo fugir dessa rodinha de discussões sobre o quão grandioso e planejado o futuro é, ou quanto se está ganhando mensalmente, ou o tamanho dos gastos com comida de peixe do sul da áfrica ou qualquer coisa que o valha. Parece sempre que estamos em algum tipo de competição sem qualquer objetivo. Mais ou menos como quando estamos andando na rua em silencio ao mesmo tempo que outra pessoa e parece haver uma competição silenciosa sobre quem é que vai conseguir chegar até a esquina mais rápido sem correr.

Ivy disse...

eu gosto de pensar sobre esse exemplo do rio e o do barco. o do barco é realmente fiel à realidade aos meus olhos. acho que as pessoas cotidianamente esperam grandes planos. fico meio incomodada quando me perguntam sobre novidades e com freqüência ressalto o que não mudou, quase que me vingando com palavras repetidas da pergunta recorrente. da chatice do que soa como uma cobrança. quero trabalhar nessa empresa, viu? haha. e, sinto dizer, mas sempre chego mais rápido até a esquina. e sem pisar nas linhas do caminho. ;)

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