sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sobre a vida pós-filme.

          Acho engraçado o efeito que alguns filmes causam em mim: tem vezes em que, mesmo a história sendo boba e extremamente fictícia, eu fico completamente empolgado em tentar fazer a minha vida medíocre parecer algum roteiro raro e encantador e digno de alguns fãs de um vilarejo pequeno e alternativo qualquer. Saí do cinema com aquela sensação de que o mundo tinha mudado enquanto eu estava lá sentado, e resolvi arranjar algum novo problema para me ocupar. Não demorou muito para eu me encantar com uma garota na rua e começar a persegui-la pelo centro da cidade. Um tanto clichê essa mania de buscar logo alguém: as pessoas têm vício em desamores, chega a ser um exercício de autoflagelação quase ensinado nas escolas como uma disciplina obrigatória ou algo do gênero.
          Eu segui a dita-cuja por três quadras ou mais, depois enchi o saco. Ela não ia achar agradável saber que eu estava perseguindo-a e, se por acaso achasse, eu é que ia pensar que ela devia ser uma pessoa muito estranha. Estranha demais até para uma comédia romântica. Nos filmes, as pessoas podem até mostrar algum lado escroto ou simplesmente incomum, mas é tudo muito limitado: sem pêlos nas nádegas, sem seqüestradores, sem alergia a cachorros, sem pais alcoólatras. A garota era bonitinha, mas não parecia valer tanto a pena assim. Descartando os desentendimentos com o sexo oposto, não me restaram muitas opções: ou eu arranjava alguma briga e me saía super bem, ou eu descobria que tinha alguma doença rara e dava a volta por cima, ou eu fazia uma viagem inesquecível e resolvia abandonar a vida urbana, ou eu descobria alguma senha valiosa e fugiria dos poderosos que a mantinham ou... ou eu contava a vida de alguém. Boring.
          Eu precisava de baquetas, entrei numa loja e comprei dois pares. O efeito do filme começava a passar e eu ainda não tinha mudado a minha vida. E fazer isso sob pressão, ainda que fosse de minha autoria, não parecia tão bom. Na ficção, por mais que eu e todo mundo saibamos que é ficção, as coisas acontecem com tamanha naturalidade que, bem, eu não conseguiria reproduzir isso. E comecei a reparar no quão ridículas algumas situações são: esbarrei num sujeito que usava uma camiseta com a própria foto gravada. E dizia algo embaixo, estilo "super pai 2005". Por alguns segundos, fiquei realmente aliviado de não ser aquele homem de meia-idade decadente que trazia o rosto no peito. Passei pela frente de um motel, desacelerando os passos à medida que alguns carros se aproximavam. O sol estava ainda bem forte e, por algum motivo, houve alguma confusão na entrada dos veículos e uma fila se formou ao longo da rua. Tentei observar todos os casais que eu pude, e acho que alguns se ofenderam com minha curiosidade debochada. Homens de terno, mulheres de batom vermelho, gays e um carro estupidamente cheio.
          Quase chegando em casa, um amigo me ligou e me convidou para ver um filme qualquer. Apesar da preguiça, voltei ao mesmo cinema, sentei em uma cadeira diferente e resolvi experimentar de novo aquela sensação de achar que tudo mudou. Quem sabe ele teria alguma idéia que eu não tive e a gente viveria algo realmente novo, digno até de um filme. Ele não fazia o gênero 'cara bonito e extrovertido', o que talvez me deixasse mais à vontade para ser amigo dele, mas, naquele momento, talvez essas qualidades fizessem alguma falta. Com certeza não iríamos para Las Vegas, nem entraríamos num cruzeiro. Nem conseguiríamos arranjar companhia para a noite. Talvez alguma briga, mas nenhum de nós tinha coragem ou músculos o suficiente para ganhar alguma coisa. E também não estávamos doentes, nem ganharíamos na loteria, nem sabíamos cantar direito ou fazer algo direito. E estávamos acostumados demais com o concreto, as sinaleiras e o ar sujo. E não sabíamos de ninguém interessante para narrar sua vida. Achei tudo muito deprimente e nem consegui prestar atenção no filme.

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