quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sobre "falar na cara" e mais blablablá.

Me irrita essa mania de achar que lindo é falar na cara, que isso é ser verdadeiro e estar próximo da perfeição. Se fosse para escancarar todos os pensamentos, eles seriam vísiveis e não tão secretos. Típico assunto tratado em discussões acaloradas do Big Brother, briguinhas entre colegas de escola e, sei lá, barracos em geral. Não gosto de enfrentar pessoas. E isso não faz de mim covarde: eu simplesmente não gosto. Não chupo limão porque não gosto de limão. E, se chupasse, não seria melhor do que grande parte da população - que deve achar o ato desagradável. Acho extremamente desgastante ter que argumentar com quem não gosto, principalmente porque eu não sinto necessidade de me justificar. E acho estupidamente ridículas essas frases comuns que insinuam que um cara é menos homem por não fazer tal coisa, ou que os acontecimentos seriam outros se os envolvidos fossem do mesmo sexo (porque "homem não bate em mulher"), ou mesmo o clássico "tem que olhar no olho". No olho do cu, então. Sério, brigas são extremamente animalescas. Não faz sentido querer resolver tudo no grito. Geralmente o "falar na cara" ganha esse contexto de explosão, o que não deixa de ser contraditório: se o balde encheu, se não cabe mais nenhuma gota de paciência, é porque o diálogo de advertência não existiu e o "falar na cara" representa o "tarde demais". Se algo foi desagradável, que seja criticado no momento. Ou não. Só não gosto dessa mania atrapalhada de achar que enfiar o dedo na cara e olhar no olho vai provar quem é o errado da história. Se uma pessoa aleatória se aproximasse de mim com esse comportamento, eu ia pensar que ela é menos racional do que eu, sem dúvida. E já aconteceu. E eu achei engraçado (e continuo achando) porque, nessa situação, ninguém tem tanto a dizer quanto pensa. Se não há resposta, acabam-se as pedras. E fim de papo. E eu prefiro mesmo guardar meus pensamentos pra mim. Nem todo mundo merece o luxo de ouvir minha opinião. Ai, adoro meus ataques de mona poderosa. Beijos


domingo, 21 de fevereiro de 2010

O mundo anda tão complicado



Gosto de ver você dormir
Que nem criança com a boca aberta
O telefone chega sexta-feira
Aperto o passo por causa da garoa
Me empresta um par de meias
A gente chega na sessão das dez
Hoje eu acordo ao meio-dia
Amanhã é a sua vez

Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você

Temos que consertar o despertador
E separar todas as ferramentas
Que a mudança grande chegou
Com o fogão e a geladeira e a televisão
Não precisamos dormir no chão
Até que é bom, mas a cama chegou na terça
E na quinta chegou o som

Sempre faço mil coisas ao mesmo tempo
E até que é fácil acostumar-se com meu jeito
Agora que temos nossa casa
é a chave que sempre esqueço

Vamos chamar nossos amigos
A gente faz uma feijoada
Esquece um pouco do trabalho
E fica de bate-papo
Temos a semana inteira pela frente
Você me conta como foi seu dia
E a gente diz um pro outro:
- Estou com sono, vamos dormir!

Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você

Quero ouvir uma canção de amor
Que fale da minha situação
De quem deixou a segurança de seu mundo
Por amor

Acho essa música do Renato uma das mais bonitas ever.


Meu ídolo moleu.

Ouvindo Death Cab e pensando que a única banana abandonada na fruteira me lembra muito Velvet Underground. Acabei há pouco mais uma das minhas perseguições ao falecido J.D. Salinger pelo google. Falecido. Que merda. Eu não tenho exatamente ídolos, mas eu realmente gostava desse cara. A ponto de querer encontrar com ele. Não, não acho que eu ia seguir o clichê de dizer "oi, sou sua fã" e blablablá. Eu acho que a gente nunca sabe o que vai dizer a um "ídolo" até encontrar com ele e falar o que der na telha. Bem possível que não saia nada muito inteligente, que a emoção seja maior e que o resultado final seja uma foto feia. Sempre penso que essas fotos de pessoas com seus ídolos tendem a ser bem horrorosas, congelando todo mundo em um ângulo ridículo e enfatizando gorduras e rugas. Na real, tem uma ex-colega minha da escola que é muito bonitona e sai bem nessas fotos... mas não consigo pensar em nenhum outro exemplo positivo. Enfim, o fato é que eu fiquei realmente chateada com a morte do Salinger. De um modo que eu nem pensei que pudesse ficar. Mesmo. Andava meio deprimida nos últimos tempos porque parecia que todo mundo do meio artístico estava morrendo ao mesmo tempo, como um anúncio de "olha 2012 chegando aí, gente!". E, de repente, meu mais-ou-menos ídolo morreu. Meu ídolo, pronto. Acho que não terei muito afeto por nenhum outro famosinho como eu tinha por ele e pelo Heath Ledger. O único livro que me tocou mesmo depois do "Apanhador" foi um do Paulo Coelho. Não faço o tipo "vou enfrentar o Brasil e dizer que eu adoro o Paulo Coelho": parte disso é birra com os brasileiros, outra parte é um misto de preguiça com falta de motivo e, ainda outra parte, é o resultado de não entender porque ele é tão-tão-tão criticado. E, no fundo, não me ocupo em tentar descobrir certos porquês. O fato é que eu achei "Veronika decide morrer" um puta livro, inclusive pela cena bonita da masturbação. Ai, esse pudor do mundo me irrita. Metade dos problemas pessoais poderia ser resolvido se falar de sexo fosse menos tabu. Pobre Salinger, esse post era pra ser uma espécie de declaração-de-amor pra ele, algo doce e meigo que não terminasse com sexo. Imagina que tem gente querendo fazer filme das histórias dele... sendo que a riqueza está justamente na cabeça das personagens. E há quem tente criar continuações para o "Apanhador", o que eu acho completamente ofensivo. O velho fez pouquíssimas declarações em todo o tempo que ficou recluso, mas uma foi especialmente muito boa. Falou sobre o Holden ser um personagem parado no tempo, que estava integralmente no "Apanhador" - estilo "leiam e entendam. releiam, se necessário, mas não inventem abobrinhas". Depois de ver mil vezes V de Vingança, acabei ficando meio viciada em defender certas idéias. Ainda não sei se Salinger foi cremado ou não: o que se sabe é que a filha dele é uma putinha e que ele devia ser um baita chato. E altos bafões sobre desamores. Adoro pessoas comuns que se tornam importantes.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sobre a vida pós-filme.

          Acho engraçado o efeito que alguns filmes causam em mim: tem vezes em que, mesmo a história sendo boba e extremamente fictícia, eu fico completamente empolgado em tentar fazer a minha vida medíocre parecer algum roteiro raro e encantador e digno de alguns fãs de um vilarejo pequeno e alternativo qualquer. Saí do cinema com aquela sensação de que o mundo tinha mudado enquanto eu estava lá sentado, e resolvi arranjar algum novo problema para me ocupar. Não demorou muito para eu me encantar com uma garota na rua e começar a persegui-la pelo centro da cidade. Um tanto clichê essa mania de buscar logo alguém: as pessoas têm vício em desamores, chega a ser um exercício de autoflagelação quase ensinado nas escolas como uma disciplina obrigatória ou algo do gênero.
          Eu segui a dita-cuja por três quadras ou mais, depois enchi o saco. Ela não ia achar agradável saber que eu estava perseguindo-a e, se por acaso achasse, eu é que ia pensar que ela devia ser uma pessoa muito estranha. Estranha demais até para uma comédia romântica. Nos filmes, as pessoas podem até mostrar algum lado escroto ou simplesmente incomum, mas é tudo muito limitado: sem pêlos nas nádegas, sem seqüestradores, sem alergia a cachorros, sem pais alcoólatras. A garota era bonitinha, mas não parecia valer tanto a pena assim. Descartando os desentendimentos com o sexo oposto, não me restaram muitas opções: ou eu arranjava alguma briga e me saía super bem, ou eu descobria que tinha alguma doença rara e dava a volta por cima, ou eu fazia uma viagem inesquecível e resolvia abandonar a vida urbana, ou eu descobria alguma senha valiosa e fugiria dos poderosos que a mantinham ou... ou eu contava a vida de alguém. Boring.
          Eu precisava de baquetas, entrei numa loja e comprei dois pares. O efeito do filme começava a passar e eu ainda não tinha mudado a minha vida. E fazer isso sob pressão, ainda que fosse de minha autoria, não parecia tão bom. Na ficção, por mais que eu e todo mundo saibamos que é ficção, as coisas acontecem com tamanha naturalidade que, bem, eu não conseguiria reproduzir isso. E comecei a reparar no quão ridículas algumas situações são: esbarrei num sujeito que usava uma camiseta com a própria foto gravada. E dizia algo embaixo, estilo "super pai 2005". Por alguns segundos, fiquei realmente aliviado de não ser aquele homem de meia-idade decadente que trazia o rosto no peito. Passei pela frente de um motel, desacelerando os passos à medida que alguns carros se aproximavam. O sol estava ainda bem forte e, por algum motivo, houve alguma confusão na entrada dos veículos e uma fila se formou ao longo da rua. Tentei observar todos os casais que eu pude, e acho que alguns se ofenderam com minha curiosidade debochada. Homens de terno, mulheres de batom vermelho, gays e um carro estupidamente cheio.
          Quase chegando em casa, um amigo me ligou e me convidou para ver um filme qualquer. Apesar da preguiça, voltei ao mesmo cinema, sentei em uma cadeira diferente e resolvi experimentar de novo aquela sensação de achar que tudo mudou. Quem sabe ele teria alguma idéia que eu não tive e a gente viveria algo realmente novo, digno até de um filme. Ele não fazia o gênero 'cara bonito e extrovertido', o que talvez me deixasse mais à vontade para ser amigo dele, mas, naquele momento, talvez essas qualidades fizessem alguma falta. Com certeza não iríamos para Las Vegas, nem entraríamos num cruzeiro. Nem conseguiríamos arranjar companhia para a noite. Talvez alguma briga, mas nenhum de nós tinha coragem ou músculos o suficiente para ganhar alguma coisa. E também não estávamos doentes, nem ganharíamos na loteria, nem sabíamos cantar direito ou fazer algo direito. E estávamos acostumados demais com o concreto, as sinaleiras e o ar sujo. E não sabíamos de ninguém interessante para narrar sua vida. Achei tudo muito deprimente e nem consegui prestar atenção no filme.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Obituário

          Sentou-se na cama e ficou a contar as vezes em que dissera "adeus" ou fora vítima de uma dessas palavras de despedida. "O mais curioso é quando reencontramos a pessoa um tempo depois.", pensou. E esticou as pernas, vestiu a calça, o sorriso e o casaco. Olhou pela janela e viu a neve. "Neve é bom, sempre bom.", disse em voz baixa. Inspirou o ar demoradamente e, então, voltou-se para o lance de escadas que, em breve, desceria com passos agudos.
          Abriu a porta com certa rispidez e incomodou-se ao perceber que a neve que viu da janela não passou de propaganda enganosa aos seus olhos. Tirou do bolso uma touca feia e colocou sobre os cabelos amanhecidos. Caminhou até uma cafeteria, onde se acomodou e fez seu pedido. Sozinha na mesa, manteve sua atenção em uma outra mulher, também sozinha, que digitava ininterruptamente qualquer coisa no notebook. "J.K. Rowling escreveu Harry Potter em uma cafeteria.", pensou com certa felicidade. Depois de olhar com certa fascinação para a possível escritora da outra mesa, desfez seu sentimento infantil: "deve estar trabalhando em mais algum relatório chato.". E tomou seu café em total silêncio - nada ecoava em seu interior.
          Folheou um jornal local de dois dias atrás, em que fora apresentada uma extensa matéria sobre a morte misteriosa de um ator de filmes de baixo orçamento. Nunca ouvira falar no seu nome, nem conhecia seu rosto, mas naquele momento sentiu falta dele. E era assim constantemente: receber a notícia de que alguém morreu constituía um processo lento, de difícil digestão. Talvez fosse sintoma de sua mania de efemeridade, o que não deixava de aparentar insanidade. Pegou o celular com certa pressa e ligou para o amigo-de-sempre. "J., pega o jornal de terça. Vê se você conhece esse cara...", falou sem tirar os olhos da foto do ator.
          Duas horas depois, estavam os dois diante de um túmulo de um outro desconhecido.
- Acho que eu não conseguiria escrever um obituário.
- É, você não conseguiria mesmo. Quer dizer, não consigo te ver fazendo isso. Nem um pouco.
- E essas pessoas que fazem esse trabalho... elas se importam?
- Com o quê?
- Sei lá, olha a quantidade de gente que morre. Eu acho que ficaria deprimida de lidar com isso todo o tempo.
- Mas é só um trabalho... escrever e tal.
- E quem trabalha diretamente com isso? Enche as covas de areia, vende caixões, sei lá..?
- É só um trabalho.
           Pararam de falar quando um inseto verde pousou sobre a lápide, cobrindo uma letra do nome da pessoa morta de forma a mostrar uma palavra com sentido completamente pejurativo.
- É só um trabalho... e, além do mais, ninguém te obriga a ler o obituário. Você faz isso porque quer.
- Mas alguém tem que se importar!
- Mas as pessoas se importam! Quem deveria se importar se importa. Você não pode querer sentir falta de todas as pessoas do planeta.
- Por que não?
- Porque não.
- Por quê?
- N., saudade foi feita para se sentir daquilo que se teve, que se viveu... Isso que você sente - eu não sei o que é, mas não é saudade.
- Eu não disse que é saudade, eu disse que eu me importo.
- Que seja. Mas as pessoas morrem. É isso que elas fazem. Algumas vivem mais, outras vivem melhor... mas o que importa mesmo é que elas vão embora uma hora.
          Ficaram apreensivos quando um outro inseto, da mesma espécie, apareceu de repente e se encontrou com o primeiro, de forma que pareceram estar copulando.
- Mas eu acho que existe uma certa mágica nisso...
J. olhou dos insetos para N., em dúvida sobre o real tema que a conversa tratava.
- Sabe, mágica quando as pessoas morrem. É uma mágica triste, mas é algo meio natalino: como se houvesse mais perdão, mais solidariedade e as pessoas se voltassem mais para coisas mais importantes do que carros e dietas.
- Todas as vezes em que alguém morreu na minha família houve briga por causa da herança.
          Desistiram de observar os insetos e continuaram a dar passos lentos sobre a grama molhada.
- Tenho medo, eu acho, de ler por aí ou saber de forma ainda mais grotesca que alguém querido pra mim morreu.
- Mas isso não acontece assim... Quer dizer, acontece. Mas você geralmente fica sabendo com alguém te ligando aos prantos. A não ser que seja um acidente de carro.
- Tá, mas existem aquelas pessoas com quem a gente briga ou, enfim, pessoas de quem a gente se afastou, mas que foram importantes e a gente iria no velório delas, mas não seria convidado por ninguém.
- Mas aí é querer comprar briga com os amigos, a família do morto...
- Não, claro que não. Se a gente se importa de verdade, eu acho legal. Acho bonito, acho sincero. Chato é quando tem gente no velório que nem sabe porque está lá, ou quem era de fato o cara que morreu...
- Engraçado você falar isso. Achei que a gente visitasse túmulos de pessoas anônimas, mas agora sei que você conhece toda essa gente e que essas flores são da cor favorita de... desse sujeito aqui, "Thomas J. B.".
- Thomas?
- Ah, céus! Eu conheci esse cara.
- Que droga.
- É, que droga.
          N. jogou um montinho de flores azuis que trazia no colo sobre as pedras que enfeitavam a lápide.
- Que droga, N., que droga! Sabe, eu odeio fazer esses passeios. A gente sempre fica deprimido.
- Agora imagina se você escrevesse obituários.
[...]
 
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