segunda-feira, 5 de maio de 2008

Lobo

- Eu te odeio! ...Eu quero entender porque você sempre faz isso, sempre!
- Isso o quê?
- Você me afoga, me afoga e depois me salva. Então, sorri para mim, como se eu tivesse obrigação de estar satisfeito.
- Eu não entendo do que você reclama. Você pede ajuda e eu nunca me nego a ajudar.
- Você se oferece, é assim que você consegue as coisas. Se oferece em doses, se oferece até se tornar rara. E, então, eu não te encontro mais... em lugar algum.
- Nesses dias nem eu mesma me encontro. Você sabe disso, sempre soube.
- Eu não sei mais o que pensar. Se eu estou bem, você me deixa tão mal. E me faz tão bem ao mesmo tempo.
- Eu não tenho culpa de você sentir as coisas desse seu jeito estranho. Tudo o que eu posso fazer é não fazê-lo sentir, sumir por aí até que as coisas se resolvam.
- Fugir. Você não percebe que é o que sempre faz? Você foge, foge correndo até um porto que lhe pareça seguro. Desaparece como um navio no mar e, depois que eu já me acostumei com toda a dor da sua ausência, você volta e começa tudo de novo.
- O que você espera de mim? Se eu não gosto de você tanto quanto você espera, o que eu tenho que fazer? Eu já tentei de tudo, eu só quero viver a minha vida.
- Longe ou perto de mim?
- Com distância suficiente.
- Suficiente?
- Eu não gosto de saber que você sente minha falta, mas é perda de tempo eu ficar te anestesiando com minhas mentiras disfarçadas. Palavras são como pílulas: podem se tornar um vício, escassas, podem te curar em minutos, podem te enganar também.
- Às vezes eu gostaria de não te entender, minha querida.
- Tanto faz, você nunca entende. Apenas acha que o faz.
- Porque você diz isso?
- Porque você é um tolo. Desses tolos apaixonados de filme, que idolatram tudo o que eu falo sem perceber a maldade que existe por trás. Eu te quero bem, mas não te quero. Você finge para si mesmo que entende, porque não suporta o pensamento de que você está sozinho no mundo e a única pessoa por quem você...
- Você não é a única. Nunca foi.
- 17:51. Está anoitecendo. Então, é agora que você levanta o rosto e resolve se mostrar indiferente?
- Você é fria, é fria porque é nojenta. É egoísta, é cega, é imoral.
- Eu não preciso de moral.
- Você diz isso porque não sabe o valor de um olhar sincero. Sempre mentiu por diversão.
- Não, eu não me divirto com essas besteiras. Sinceramente, você me dá pena.
- Vai embora agora? Fugir como você sempre faz?
- Qualquer passo para longe é sinônimo de fugir, pra você?
- Foi tudo o que eu aprendi.
- Ok. Chega. Não vamos nos desviar do assunto inicial...
- Você estava dizendo que as pessoas precisam de relações falsas para se sentirem...
- ...se sentirem completas. Elas sabem que estão em um ninho de cobras, que ninguém dali se importa realmente, mas elas precisam dessa afirmação de que número é qualidade.
- Tá, então você disse que confia mesmo em duas pessoas...
- Três.
- E a sua lista de nomes?
- É uma lista de nomes, ora. São palavras, não pessoas. Você ouviu o que eu disse sobre as pílulas.
- Ok, entendi. E você, nessa vida de andarilho, não sente falta das coisas que passaram?
- As coisas passam, passam o tempo todo. Eu estou tentando me desfazer das memórias que eu não gosto, como todos geralmente fazem, mas eu não sou boa nisso.
- Você é boa em fazer os outros esquecerem. Talvez exista alguém que te faça esquecer também.
- Mas, sabe, esquecer é um crime. É como se eu apagasse parte de mim, como se eu não tivesse vivido realmente o tempo que eu esqueci.
- Você não vai lembrar que ele existiu.
- Mas ele existiu. Os meus olhos viram. Eu não posso esquecer algo que é só meu, que ninguém tem igual. É tão precioso...
- Você vem e vai e você é esquecida. Faça o mesmo com os outros. Esperei ouvir isso de você.
- Não, não, nunca. Eu gosto de pensar que eu superei. Seria fraca se não enfrentasse tudo de frente.
- Atitudes nobres não servem de armadura. Seu peito parece apedrejado.
- E o que entende você disso? Você que chora por uma pessoa que sequer...
- Eu não preciso que você goste de mim para eu existir.
- E todo o drama de cair e levantar, o que foi aquilo?
- Eu estou dizendo que eu sei que você vai me salvar. Vai passar a vida me chutando, mas vai me curar também. Só que eu não tenho poderes, não tenho nada que consiga vencer essa sua barreira gelada.
- Você fala dela, mas eu a desconheço. Para mim, as pessoas são todas insuficientes, só isso.
- O que não te deixa triste te irrita. Isso é errado.
- Não é errado! Eu fico entendiada com o que não me traz emoção.
- Você fala em aproveitar, fala das coisas pequenas, dos sabores e dos defeitos e esquece que você também é feita disso.
- Eu sei falar das coisas que eu gosto.
- Se concentra no que você é.
- Eu não tenho que ouvir uma pessoa que está abaixo de mim.
- Então agora eu estou abaixo?
- Você está atirado aos meus pés, como sempre. Você está cego pela imagem que você idealiza de mim. Eu não sou a cereja do bolo, eu fujo porque não sinto sua falta. Eu volto porque gosto que você dependa de mim.
- Acabou?
- Não. Eu não sei qual é a minha motivação. E a partir do momento que eu for embora de vez você também não vai saber.
- Ah, como eu gostaria de não te entender... Porque você acha que eu quero tanto te fazer ficar?
- Achei que você precisasse de mim.
- Você precisa que alguém precise de você. É isso que te faz ficar. Você se prende nessas memórias todas, com medo de ser esquecida como você é incapaz de fazer. Você é deprimente porque você não foge disso, não busca o real sentido, apenas se conforta com as lamentações passadas. Você tem medo de mudar e...
- ...ser esquecida. Pelo menos você eu sei que não vai me esquecer.
- Mas eu estou ficando enjoado! Foi por isso que te chamei aqui, para dizer que o amor que eu sentia está se transformando em cinzas.
- Você está me deixando.
- Não.
- Você vai fugir, vai fugir! Você encontrou o que queria, você sugou de mim o que precisava e agora está fugindo com as minhas coisas!
- Eu vou ficar do seu lado até minha doença passar. Não quero te fazer sofrer o que eu sofro.
- Você me enganou. Disse que estava fraco esse tempo todo e agora me faz precisar das suas pílulas.
- Eu não vou te sufocar de novo. Estaremos suficientemente longe um do outro.
- O que eu faço? Você me deixou no chão, me ensinou a ser transparente e agora me violenta por eu não saber me esconder.
- Não é verdade, minha querida. Não é verdade.
- Você contou para alguém? Disse o que eu fiz?
- Eu sou impulsivo, você sabe... mas não há possibilidade disso se espalhar por aí.
- Você é bobinho, é claro que a minha máscara caiu. Você confia nas pessoas desconfiando e não sabe esconder isso. Logo, elas sentem o cheiro do perigo, da desconfiança e acham que você é perigoso, que não podem confiar em você.
- Eu não sou assim com todo mundo. E nem todos têm teus olhos de gavião.
- Eu deveria correr. Você me faz mal, eu deveria fugir de você.
- Você sequer pertence a mim. Não há o que temer, você ainda é uma mentirosa. Eu não acredito no seu drama, minha querida.
- É claro que não, você é cego. Tão cego que precisa de mim até os ossos. Eu poderia roubar seu dinheiro, te abandonar sangrando na estrada e você ainda se lembraria de mim com um sorriso doce nos lábios.
- E ainda não se sente amada?
- Não. Porque não é natural. Você gosta de mim porque eu quero que goste.
- Sua última tentativa de se tornar insuportável foi um fracasso.
- Qual o meu problema afinal?
- Eu já te disse: você não tem rumo. E vai continuar dando rodeios até que seus tropeços lhe ensinem a caminhar.
- Você fala bonito, mas sai tudo da boca pra fora.
- Talvez você seja incapaz de entender as pessoas. Agora me ocorreu essa idéia... de que você só escuta, escuta animada porque é incapaz de ver as coisas da mesma maneira, de viver no mesmo mundo.
- E se for verdade? E se tudo que eu quisesse era não me sentir um marca-texto entre as canetas esferográficas?
- Eu não te acho nada convicente. Achei que gostasse de ser o centro das atenções.
- Eu queria alguém como eu.
- Você não confiaria totalmente nessa pessoa.
- Nem ela em mim. Estaríamos quites.
- Você deve se desprender das coisas que a marcaram, para que novas tenham chance de te preencher.
- E se eu sentir vontade de fugir no meio do caminho?
- Vá. Mas sem culpa.


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