domingo, 21 de junho de 2009

gris.


A música começou a tocar e me deu aquela crise de nervosismo. Pra ser sincera, eu não esperava que ele fosse se levantar. Eu queria que ele deixasse aquela mesa e se aproximasse da minha, mas não achei que isso fosse acontecer tão no início da noite. O mais estranho é que, ao mesmo tempo em que eu fiquei eufórica, pensamentos superperturbadores me invadiram. Sabe, eu não queria dançar. Eu não sabia dançar. Dançaria se fosse com ele, mas, pelo mesmo motivo, eu não arriscaria colocar meus pés na pista. Se ele passasse reto por mim seria decepcionante, mas, se estendesse aquela mão bonita daquele modo clássico e brega, também seria desconfortável. Coitado, ele tinha tudo para me fazer feliz. Feliz e infeliz, porque eu nunca me dava por satisfeita.
Ele cumprimentou um conhecido dele que estava sentado quase à minha frente e então fez aquela coisa de subir a sobrancelha e fazer um aceno com a cabeça, num gesto quase imperativo que fez eu me levantar instantaneamente. A gente pegou dois copos e passou reto pelos casais que dançavam. Me disseram que nós ficávamos bonitinhos juntos e, de fato, dançando ou não éramos um belo par. Não que nós fôssemos dignos que ganhar coroas e título de rei e rainha do baile, essas coisas de filme, mas realmente nos dávamos bem. Realmente. E eu gostei de ter debruçado meus braços no parapeito da sacada e sentido um pouco daquela chuva na pele. Ele era uma boa companhia para dias e momentos cinzas. E festas, para mim, tendem a ter essa cor.
Nós ficamos conversando, conversando como pessoas que se gostavam. Isso engloba amizade e um pouco de ciúme talvez - ainda que não se note exatamente isso em uma conversa. Sempre achei engraçado que, desde o início, mantínhamos uma relação internalizada, ao contrário do que se vê por aí. E, apesar de falar muito sobre muita coisa, eu sentia que ainda teria muito por vir. Muito o que falar, o que ouvir e o que sentir. Ele era dessas "pessoas que te fazem sentir", como dizia uma propaganda de seriados da tevê. Acho que não conheço, hoje, outro exemplo para citar. Mesmo quando ficávamos em silêncio, não era de todo mal: ele me causava aquela mistura de emoções e pensamentos e, por menos próximos que fôssemos um do outro, eu sentia que naquela distância que nos separava existia uma grande razão.
Eu não sei se queria mesmo dançar ou se era só o desejo de me sentir tão bem quanto os outros pareciam se sentir. Sempre achei isso uma grande bobagem e evitei que essa preocupação tomasse grandes proporções, mas, naquele segundo, essa dúvida me incomodou. Uma música antiga atrás da outra, luzes discretamente coloridas e sorrisos bonitinhos: aquele ambiente algodão-doce nunca me parecera tão atrativo. E peguei a mesma mão bonita que não fizera o gesto de cavalheiro para mim e a segurei na altura dos meus olhos. Então, deixei que ela se acomodasse onde antes estava, pensando em como justificaria aquele gesto impulsivo. Ele passou os dedos no meu rosto carinhosamente, como fazia às vezes, e nada disse. Nós ficamos nos olhando por um tempo, até que fomos interrompidos pela risada escrota de uma garota bêbada que tinha escorregado nas lajotas molhadas.
Tanto faz, nós não ficaríamos muito tempo juntos. Ele saiu mais cedo com uns dois amigos para beber em algum lugar, mas agradeceu minha companhia. Eu também me senti grata pelas palavras trocadas e por todo aquele bem-estar. E, por mais ingênua que fosse, eu ficava alegre em saber que produzia algum bom efeito em alguém que, pra mim, era especial. Meu medo era de fazer com que ele se acostumasse a me ter sem que eu pudesse acessá-lo do mesmo modo - ou, talvez, meu medo se resumisse em não estar mais com ele. Mesmo que nós só "estivéssemos" nesse tipo de situação em que você se aproxima de alguém ímpar quando tudo a sua volta é par. Tem vezes em que é mais importante dançar, independente da companhia - mas essa parte eu não sabia fazer. Talvez ele precisasse de alguém que o estimulasse, que o fizesse se sentir como todo mundo que mantinha aquele sorriso bobo no rosto. Mais provável, porém, é pensar que ele não precisava de nada, de ninguém. E tudo o que eu tinha que fazer era fingir muito bem que eu não me importava.

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