domingo, 20 de abril de 2008

Encontros e Desencontros

Checou os e-mails, abriu o jornal. A mesma notícia, sobre pessoas totalmente diferentes. Suas semelhanças? O vínculo com a mesma garota, o encontro com a dama da barca no mesmo dia. Faleceram por motivos opostos: um por fumar demais - overdose, na verdade -, o outro no papel de vítima, em um acidente de carro cujo responsável fora um estranho alcoolizado.

Lee passou grande parte da manhã no escritório, entre papéis e copinhos descartáveis de café forte, bem forte. Sentada sobre uma das pernas, que estava cruzada, olhava inquieta da folha cinzenta para o monitor, onde um breve texto anunciava a morte de um sujeito por quem ela há muito suspirara.

Não se sentia exatamente mal pela perda, afinal encerrara o contato com todos os seus ex-namorados e casos - com esses não seria diferente. Mas, sabia, foram importantes de algum jeito. E agora seriam mais uma vez enterrados, de forma definitiva e inevitável.

De repente, uma onda de remorso começou a invadir seu corpo. Passou pelos dedos, subiu pelo pescoço, alcançou sua expressão de indiferença. Lee sempre foi uma dessas pessoas encanadas com a passagem do tempo - com o que fica e o que ele destrói. Sabia que, enquanto vivos, nada ouviriam de sua boca os pobres rapazes. Só não planejava ter palavras na ponta da língua agora, quando eles não passam de corpos inanimados.

Nunca mais os viu. Tudo o que conhecia eram os relatos de um quarto indivíduo, colega de trabalho de um dos dois e, casualmente, seu vizinho. Numa dessas conversas que acontecem nos segundos que só os elevadores proporcionam, descobriram que tinham um Giovanne em comum.

O e-mail não fora apelativo, não pedira sua participação no enterro, tampouco mostrava sensibilidade. Fora um comunicado, do tipo "olha, teu ex morreu", sem pretensão de derreter em lágrimas o brilho dos olhos da moça. O endereço do cemitério, a igreja onde seria a missa, tudo isso fora informado. Ainda assim, a presença de Lee não era esperada - e nem sabia ela se seria bem-vinda.

O sujeito homenageado no jornal, com aqueles mil anúncios emocionados de familiares e doutores em alguma coisa, fora seu primeiro namorado. Talvez o frio ao ler seu nome tenha sido maior - até porque já sabia do que se tratava aquela página cheia de retângulos. Urich, Leonardo Urich. Fora um sujeito forte, desses que vivem para os negócios, aprendem a ganhar muito dinheiro fazendo o mínimo esforço e - bastava cruzar os dedos - conseguiam as mulheres que desejassem. É claro que isso tudo acontecera depois, bem depois do "adeus".

Tinha sido realmente feliz com Giovanne, até encontrá-lo aos beijos com outra garota, em um bar de esquina. Sentiu o sentimento se evaporar, como sempre acontece com quem não aceita ser enganado. Não poderia negar que ainda o considerava o melhor de todos os caras que já conhecera, apesar do desgosto, do orgulho, ao lembrar do ocorrido naquele cinco de maio.

Desistiu de tentar entender os homens. Não gostava de olhar para trás sabendo que repetiria erros que, sabia, não tinham lhe ensinado praticamente nada. E, agora, Lee estava ali, diante de fatos tão cruéis e abstratos. A morte é um mistério para tantos...

Pensou em ligar para uma amiga, dessas que mantém contato com todos os ex-colegas de escola, que se encontram semanalmente com os amigos da academia, que têm na agenda do celular os mais diversos tipos de gente. Ela falava ainda com Urich, deveria ter alguma notícia para comentar.

Discou os números, mas abortou a ligação antes que essa fosse concluída. Se sentiu melhor ao não ouvir a voz de Maísa. Entre um gole e outro de café, pensou na possibilidade de aparecer na cerimônia fúnebre de um ou de outro, só não sabia qual. Urich era agora um homem imponente, importante para a alta sociedade. Seria enterrado na capital, num luxuoso gramado, rodeado de curiosos.

Giovanne, coitado, talvez nem lágrimas tão dolorosas recebesse: a família de um drogado nem sempre se despede dele com os braços recheados de flores e saudade. Fora fraco, é verdade: desde muito jovem era cheio de vícios, cheio de segredos e truques. Por sorte não seria cremado, pensou Lee, se imaginando diante do falecido, com um lencinho nas mãos. O problema em optar pela segunda alternativa era a distância: viajar para o interior pouparia boas horas.

Por Urich sentia um carinho único, gratidão pelos momentos mais marcantes - onde ele fora extremamente compreensível. Carinhoso, generoso com elogios e pequenos agrados: um bom partido desde menino. Planejaram um vida, com direito a jardim, filhos e viagens. Se esqueceram, porém, que certas características das personalidades das pessoas eram imutáveis. Pouco solidário, o tempo os fez lembrar disso, trazendo de volta a sujeira que fora escondida por debaixo do tapete.

Giovanne, o ex-hell, como Lee gostava de anunciar. "O cara que te leva aos céus e de lá te faz despencar.", comentara uma vez com Maísa. Procurou se concentrar no ambiente que enfrentaria, recheado de velhos conhecidos, sendo estes os pais e os parentes do falecido, pessoas que não fazia idéia de onde o conheciam, alguns amigos perdidos e alguma nova garota enciumada.

Consultou o relógio, releu o e-mail. O trabalho de ir ao enterro se tornava mais difícil a cada segundo. Trocar de roupa e pegar as chaves do carro era tudo o que tinha que fazer. Porém, o conflito de emoções a fazia ficar estacionada na cadeira, olhando do jornal para a tela do computador.

Dividida entre os dois homens, mais uma vez, decidiu usar o lenço branco que trazia consigo para limpar o contorno dos lábios, molhados de café. De qualquer forma seria sinismo fingir que se importava.

Gostaria de perguntar a Giovanne se o sexo com a outra era melhor do que com ela. Adoraria não ter ouvido de Urich que eles já não mais estariam unidos na vida e na morte. "Bem feito para ele!", pensou.

Lee fechou a janela do e-mail, amassou a folha de jornal e a jogou no lixo. Pensou em acender um cigarro, mas o gesto traria lembranças de Giovanne, de como ele brincava, concentrado, com a fumaça. Ao desistir de o fazer, lembrou de como Urich sorriria silencioso, afirmando com a cabeça que a atitude fora aprovada (era de se esperar de um médico hipocondríaco como ele era, ainda que tenha ido para o ramo da cirurgia plástica - o lado mais comercial da Medicina).

Abriu a segunda gaveta da escrivaninha, que mantinha chaveada, e puxou uma garrafinha de whisky que estava escondida sob alguns documentos da empresa onde trabalhava. Mirou-a por alguns instantes, então despejou parte do conteúdo na boca.

Urich fora incapaz de consertar os defeitos de Lee. Giovanne não se importava com eles - nem com ela. Pouco influenciavam na sua vida, agora que ela concluíra a faculdade e já era independente. Não precisaria mais deles, ainda mais sabendo que estavam debaixo da terra.

Pegou os documentos da gaveta e voltou ao trabalho. Assim o fez seu vizinho, no mesmo momento, abandonando a idéia de se despedir do colega.
A mesma notícia, sobre pessoas não tão diferentes. Suas semelhanças? O vínculo com o mesmo sujeito, o encontro com a dama da barca no mesmo ano. Só não sabiam quando.


2 comentários:

Dieta disse...

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♪♪Thays♪♪ disse...

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heheheheheheheh
bjos

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