segunda-feira, 28 de abril de 2008

Seqüelas.

- Você vai viver esse luto para sempre?
- Mas eu morri várias e várias vezes, não foi só aquela vez.
- Ah, por favor. Veja tudo o que você já conquistou, o tempo que ainda lhe falta...
- E o que eu conquistei?
- Pessoas. Pessoas, muitas pessoas. E eu não falo só nesse sentido, você sabe... Acho que é um dom que você tem, sabe, essa coisa toda de saber falar.
- Se eu tenho um dom porque eu nunca sei o que falar? Porque eu invento coisas para me livrar da agonia que é o silêncio numa conversa?
- Ah, não me afogue em perguntas, eu estou tentando ajudar!
- Mas você mente. Todos mentem!
- Não é verdade, eu só quero seu bem...
- As pessoas estão acostumadas a pensar que fazem o bem quando falam essas merdas. Não me olha assim, você entende o que eu estou falando, você sabe muito bem o que eu penso dessa coisa de sair distribuindo conselhos e elogios. Eu não te pedi nada, nada!
- Mas é natural que a gente queira ajudar quem a gente gosta...
- Então seria natural dizer a verdade sempre. Eu não gosto desse olhar fraterno. Fraterno e falso. É uma falsa piedade, é uma coisa que você e todo mundo espera que seja retribuído, não é despretensioso como vocês fazem parecer.
- Mas... quanta bobagem!
- Bobagem? Eu só estou pedindo para ficar sozinho, absorto nos pensamentos. Eu não quero você neles, não quero ouvir sua voz me dizendo que eu tenho que sorrir e esquecer as coisas que me deixam assim.
- Ficar alterado não faz bem à ninguém.
- Mas eu tenho esse direito, não tenho? Me responde, eu não tenho?
- Eu tentei, ok? Eu juro que tentei te dar a mão, mas você insiste em ficar amargurado nesse seu mundinho...
- Isso! Você entendeu, você entendeu! Eu quero o meu tempo de volta pra mim, só isso.
- Mas você sabe que vai ficar remoendo essas velhas histórias e que o passado não volta, a gente não pode consertar as coisas depois que elas já...
- Por favor!
- Está bem. Você já ouviu o que eu penso à respeito... acho que ela agiu feito uma idiota, mas você também deixou a desejar... fora que...
- PÁRA. Que merda!
- Não precisa gritar...
- Mas você não me escuta, que saco.
- Eu achei que você fosse mais controlado.
- Ninguém se controla quando existe alguém insuportável por perto.
- Então é assim que você me vê?
- Quase. Agora sim, porque eu estou irritado. Por favor, vá embora. Eu não quero me arrepender de mais coisas do que eu já... você conhece a minha lista.
- Olha, não carregue mais esse peso... Não é necessário, as coisas já passaram. E são irreversíveis.
- Onde você estava com a cabeça quando disse que eu sei falar com as pessoas?
- Ah, você sabe... você é legal.
- Legal? Que papo é esse agora? Não me encha de elogios toscos, seja direta!
- Eu te acho superarrogante na maior parte do tempo, mas você sabe ser amável também. Eu admiro isso.
- Todos são assim, é a lei da sobrevivência.
- Então nada do que eu te disse adiantou?
- Não.
- Você é assim... inabalável?
- Não. Só que, como você mesma falou, a gente não pode consertar as coisas depois que elas já... enfim, você sabe que eu não tenho conserto.



domingo, 20 de abril de 2008

Encontros e Desencontros

Checou os e-mails, abriu o jornal. A mesma notícia, sobre pessoas totalmente diferentes. Suas semelhanças? O vínculo com a mesma garota, o encontro com a dama da barca no mesmo dia. Faleceram por motivos opostos: um por fumar demais - overdose, na verdade -, o outro no papel de vítima, em um acidente de carro cujo responsável fora um estranho alcoolizado.

Lee passou grande parte da manhã no escritório, entre papéis e copinhos descartáveis de café forte, bem forte. Sentada sobre uma das pernas, que estava cruzada, olhava inquieta da folha cinzenta para o monitor, onde um breve texto anunciava a morte de um sujeito por quem ela há muito suspirara.

Não se sentia exatamente mal pela perda, afinal encerrara o contato com todos os seus ex-namorados e casos - com esses não seria diferente. Mas, sabia, foram importantes de algum jeito. E agora seriam mais uma vez enterrados, de forma definitiva e inevitável.

De repente, uma onda de remorso começou a invadir seu corpo. Passou pelos dedos, subiu pelo pescoço, alcançou sua expressão de indiferença. Lee sempre foi uma dessas pessoas encanadas com a passagem do tempo - com o que fica e o que ele destrói. Sabia que, enquanto vivos, nada ouviriam de sua boca os pobres rapazes. Só não planejava ter palavras na ponta da língua agora, quando eles não passam de corpos inanimados.

Nunca mais os viu. Tudo o que conhecia eram os relatos de um quarto indivíduo, colega de trabalho de um dos dois e, casualmente, seu vizinho. Numa dessas conversas que acontecem nos segundos que só os elevadores proporcionam, descobriram que tinham um Giovanne em comum.

O e-mail não fora apelativo, não pedira sua participação no enterro, tampouco mostrava sensibilidade. Fora um comunicado, do tipo "olha, teu ex morreu", sem pretensão de derreter em lágrimas o brilho dos olhos da moça. O endereço do cemitério, a igreja onde seria a missa, tudo isso fora informado. Ainda assim, a presença de Lee não era esperada - e nem sabia ela se seria bem-vinda.

O sujeito homenageado no jornal, com aqueles mil anúncios emocionados de familiares e doutores em alguma coisa, fora seu primeiro namorado. Talvez o frio ao ler seu nome tenha sido maior - até porque já sabia do que se tratava aquela página cheia de retângulos. Urich, Leonardo Urich. Fora um sujeito forte, desses que vivem para os negócios, aprendem a ganhar muito dinheiro fazendo o mínimo esforço e - bastava cruzar os dedos - conseguiam as mulheres que desejassem. É claro que isso tudo acontecera depois, bem depois do "adeus".

Tinha sido realmente feliz com Giovanne, até encontrá-lo aos beijos com outra garota, em um bar de esquina. Sentiu o sentimento se evaporar, como sempre acontece com quem não aceita ser enganado. Não poderia negar que ainda o considerava o melhor de todos os caras que já conhecera, apesar do desgosto, do orgulho, ao lembrar do ocorrido naquele cinco de maio.

Desistiu de tentar entender os homens. Não gostava de olhar para trás sabendo que repetiria erros que, sabia, não tinham lhe ensinado praticamente nada. E, agora, Lee estava ali, diante de fatos tão cruéis e abstratos. A morte é um mistério para tantos...

Pensou em ligar para uma amiga, dessas que mantém contato com todos os ex-colegas de escola, que se encontram semanalmente com os amigos da academia, que têm na agenda do celular os mais diversos tipos de gente. Ela falava ainda com Urich, deveria ter alguma notícia para comentar.

Discou os números, mas abortou a ligação antes que essa fosse concluída. Se sentiu melhor ao não ouvir a voz de Maísa. Entre um gole e outro de café, pensou na possibilidade de aparecer na cerimônia fúnebre de um ou de outro, só não sabia qual. Urich era agora um homem imponente, importante para a alta sociedade. Seria enterrado na capital, num luxuoso gramado, rodeado de curiosos.

Giovanne, coitado, talvez nem lágrimas tão dolorosas recebesse: a família de um drogado nem sempre se despede dele com os braços recheados de flores e saudade. Fora fraco, é verdade: desde muito jovem era cheio de vícios, cheio de segredos e truques. Por sorte não seria cremado, pensou Lee, se imaginando diante do falecido, com um lencinho nas mãos. O problema em optar pela segunda alternativa era a distância: viajar para o interior pouparia boas horas.

Por Urich sentia um carinho único, gratidão pelos momentos mais marcantes - onde ele fora extremamente compreensível. Carinhoso, generoso com elogios e pequenos agrados: um bom partido desde menino. Planejaram um vida, com direito a jardim, filhos e viagens. Se esqueceram, porém, que certas características das personalidades das pessoas eram imutáveis. Pouco solidário, o tempo os fez lembrar disso, trazendo de volta a sujeira que fora escondida por debaixo do tapete.

Giovanne, o ex-hell, como Lee gostava de anunciar. "O cara que te leva aos céus e de lá te faz despencar.", comentara uma vez com Maísa. Procurou se concentrar no ambiente que enfrentaria, recheado de velhos conhecidos, sendo estes os pais e os parentes do falecido, pessoas que não fazia idéia de onde o conheciam, alguns amigos perdidos e alguma nova garota enciumada.

Consultou o relógio, releu o e-mail. O trabalho de ir ao enterro se tornava mais difícil a cada segundo. Trocar de roupa e pegar as chaves do carro era tudo o que tinha que fazer. Porém, o conflito de emoções a fazia ficar estacionada na cadeira, olhando do jornal para a tela do computador.

Dividida entre os dois homens, mais uma vez, decidiu usar o lenço branco que trazia consigo para limpar o contorno dos lábios, molhados de café. De qualquer forma seria sinismo fingir que se importava.

Gostaria de perguntar a Giovanne se o sexo com a outra era melhor do que com ela. Adoraria não ter ouvido de Urich que eles já não mais estariam unidos na vida e na morte. "Bem feito para ele!", pensou.

Lee fechou a janela do e-mail, amassou a folha de jornal e a jogou no lixo. Pensou em acender um cigarro, mas o gesto traria lembranças de Giovanne, de como ele brincava, concentrado, com a fumaça. Ao desistir de o fazer, lembrou de como Urich sorriria silencioso, afirmando com a cabeça que a atitude fora aprovada (era de se esperar de um médico hipocondríaco como ele era, ainda que tenha ido para o ramo da cirurgia plástica - o lado mais comercial da Medicina).

Abriu a segunda gaveta da escrivaninha, que mantinha chaveada, e puxou uma garrafinha de whisky que estava escondida sob alguns documentos da empresa onde trabalhava. Mirou-a por alguns instantes, então despejou parte do conteúdo na boca.

Urich fora incapaz de consertar os defeitos de Lee. Giovanne não se importava com eles - nem com ela. Pouco influenciavam na sua vida, agora que ela concluíra a faculdade e já era independente. Não precisaria mais deles, ainda mais sabendo que estavam debaixo da terra.

Pegou os documentos da gaveta e voltou ao trabalho. Assim o fez seu vizinho, no mesmo momento, abandonando a idéia de se despedir do colega.
A mesma notícia, sobre pessoas não tão diferentes. Suas semelhanças? O vínculo com o mesmo sujeito, o encontro com a dama da barca no mesmo ano. Só não sabiam quando.


sábado, 12 de abril de 2008

pt. 11

- Você quer que eu acredite nessa história? Francamente, uma criança mente melhor do que você! - Arthur passou a mão pela testa, acariciando os fios do cabelo. Apesar da expressão fechada, não estava necessariamente irritado. Apenas não entendia porque Thomas estava tão concentrado em inventar uma verdade para o colega encrencado. - Um de vocês fez algo de muito errado, muito errado... nunca vi uma atitude dessas antes vinda do grandão, Antoine, - e lançou um olhar ao rapaz que, vestindo apenas a calça, girava numa cadeira do escritório. - se eu fosse você me preocupava.
- Ele não mentiu, chefe.
- Não vou insistir. - Lançou um último olhar, um tanto ameaçador, para o segurança. - Só espero que você não tenha desrespeitado nenhuma das minhas regras, meu jovem. Nada de sair à luz do dia. Melhor: cada passo seu deve ser informado para mim previamente. Ainda estamos num esconderijo, você não vai querer pôr em risco a segurança do local, não é? - Cruzou os braços. - Não... Você não seria tolo o suficiente. Não quero que ninguém conheça seu rosto. Ninguém. Isso é fundamental.
- Mas, cá entre nós, não é estranho eu ter desaparecido assim da empresa, digo sem motivo aparente?
- Eu não te disse que foi sem motivo aparente.
- Haha. Você me matou também? Forjou meu assassinato? - Antoine se divertiu, pensando em como sua vida poderia mudar ainda mais. A descarga de adrenalina aumentava a cada dia que realizava uma nova missão para Arthur.
- Talvez.
O rapaz ficou sério, firmou os pés no chão e, estático, refletiu sobre com quem estava lidando. A alguns passos de distância, sentada num sofá antigo de couro marrom, Agatha escutava atenta a conversa dos três. Pela primeira vez ela não se sentia diminuída. No fundo, não fazia idéia do que estava prestes a acontecer dali adiante. Não se impressionou com a resposta de Arthur. Observava o ambiente, curiosa. Então era ali que o velho genioso passava as horas... Tanto poder o dele, tanto lixo no quarto abafado. Se sentia incomodada pelos constantes olhares de Thomas e já não raciocinava direito: há algum tempo atrás ela estava aos berros, desejando a morte de Arthur. Um pouco depois, pensou em salvar sua vida e, agora, pouco se importava com sua presença.
- Thomas, leve-o daqui.
- Hey, espera, eu não fiz nada! - Os braços do rapaz foram espremidos entre mãos gordas e escuras. - Eu posso ir sozinho, eu... - Sua boca fora tapada e os olhos vendados. Em questão de segundos já estava no corredor, sendo carregado pelo forte segurança.
Arthur suspirou, fechando a porta com um tapa seco. Era muita informação para a cabeça de Agatha, percebia. Sabia que, ao permitir que ela conhecesse parte do lugar onde estivera presa e, principalmente, deixando-a presenciar algum diálogo que não a envolvesse (o que a faria pensar sobre o comportamento padrão dele), conquistaria um pouco de consideração. Só não entendia o porquê dela não reagir ao ver Antoine ser expulso da sala daquela forma. Será que não compreendia o que o destino faria dele em seguida? Seria uma vingança contra o sujeito que não lhe ajudou quando ela precisou? Medo de voltar ao quarto espelhado após se intrometer num assunto em que não estava incluída?
- Ele vai morrer?
- Um dia.
- Porque se sujou com catchup?
- Querida, eu dei ordens para que ele me pedisse permissão para sair.
- Ele disse que a merda toda aconteceu na cozinha.
- Eu conheço o Thomas desde a minha adolescência, acha que eu me deixo enganar por aquelas palavras tolas?
- Você não confia no Antoine?
- O Thomas deve segui-lo. Sempre. O Antoine não é o primeiro garoto que se aventura por aí pelas minhas costas.
- Você não respondeu a minha pergunta.
- Você não entendeu onde eu quero chegar. - Após breve silêncio, onde os dois se encararam sem piscar os olhos, continuou a falar. - Você mudou, menina. Em segundos, mas mudou.
- O Thomas te contou onde ele foi? Onde eles foram...
- Depois saberei dos detalhes.
- Que nojo, você arma essas confusões entre seus próprios funcionários. Garanto que o Antoine pensava que o Thomas era um cara legal.
- Certas medidas são necessárias.
- E o que vai acontecer com ele?
- Nada. - Puxou uma cortina, que cobria um grande monitor empoeirado. Ali estava Antoine, sedado numa cama. O quarto espelhado parecia outro visto de fora. - Uns dois dias vivendo sua vida e depois estará de volta do susto. Ele é um bom rapaz.
- E eu, o que vai acontecer comigo agora?
- Não pensei nisso ainda. Não previ que Antoine fosse passear, não previ meu desmaio.
- E os planos-B, não existem?
- Você me responde: existem?
- Hum?
- Eu sabia que você carregava um estilete.
- As câmeras... - Pensou alto. - Porque você ficou sozinho? Quer dizer, o seu segurança particular estava fora daqui...
- Você está livre, livre por dois dias. Para circular aqui dentro, é claro. Duvido que isso represente uma ameaça para mim.
- É, tem razão. Eu não te odeio tanto assim.
- É claro que não. - Caminhou rapidamente em direção à saída. - Bom, vou falar com Thomas. Nos vemos no jantar.
- Porque, de repente, isso ficou tão fácil?
- Isso o quê?
- O jogo. Seu jogo.
- Porque eu também não te odeio tanto quanto eu pensava. - Ele falou isso em tom baixo e seco, como se sentisse repulsa ao se mostrar um pouco afetivo. - Não, isso não é uma declaração de amor. Eu apenas estou grato pelo que você não fez ainda.
- Pelo que eu não fiz?
- Eu ainda não te causei dor o suficiente para a sua lâmina me ferir. Destruir sua vida social é só o começo. Agora falta eu descobrir suas motivações.
- É esse o plano, então?
- Só o início... do plano-B.
- E como ele termina?
- Não parece óbvio? Bom, tenho que ir. - Antes de desaparecer, sorriu pacificamente. - Agradeço se o que conversamos não chegar aos ouvidos de Antoine. Ele ainda é novato nisso... no jogo.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

All along the wall between us...

Girou a chave; a cabeça encostada na porta. Dois passos à frente e mais uma vez o gesto. Livrou-se da mochila, encostando-a na parede, ao seu lado. O peso sobre seus ombros continuou o mesmo. Sentou-se no chão, deixando-se escorregar lentamente. Os olhos baixos não tardaram a se fechar, apertados numa expressão quase desesperada. Consultou o relógio que trazia no pulso, tentando relembrar a função de cada ponteiro. Pensou em voltar, descer as escadas correndo, gritar declarações sob a chuva, no meio da rua - verdadeira cena de filme. Não eliminou a hipótese de fugir, caminhar em direção ao nada, só para se ver livre daquela humilhação. Humilhação? Tinha pena de si mesma, pena de como se colocava em problemas que antes não tinham razão para existir. Ficou estática, num desses momentos em que a realidade se torna uma tormenta, um labirinto de emoções. Já não sabia o que era real. Inspirava: desacreditava nos acontecimentos ainda latejantes. Expirava: num suspiro triste, próximo de um ganido, deixava a verdade tomar forma de dor. Não, as coisas não eram complicadas: eram diretas, isso as fazia difíceis. Muitas vezes é fácil não aceitar o óbvio.

Esticou as pernas; as mãos sobre as coxas. Olhou, lacrimejante, para o teto. O rastro de luz fez com que seu corpo se encolhesse, num abraço solitário. Aquelas palavras, a lembrança da própria voz dizendo coisas que agora já não faziam sentido. Como seria a vida, então? Deu um tapa forte no joelho direito, indecisa quanto às conseqüências: a sensação era de que tudo havia estremecido. Sentiu o vento gelado nas maçãs do rosto, o frio que vinha de dentro - que nenhum inverno jamais reproduziria. E se corresse? Adiantaria pedir para ser esquecida de vez, junto com seus dizeres? Sabia que, cedo ou tarde, seu olhar cruzaria com o de um estranho que, um dia, já fora um conhecido seu. Puxou a mochila para o colo, abrindo o zíper e apalpando o conteúdo. Entre os dedos, uma última carta. Desdobrou, mordendo os lábios, a folha úmida de papel. Passando o dorso da mão sob o nariz, começou a ler as frases em voz alta.

Os cabelos sendo puxados; os cotovelos sobre as pernas dobradas contra o corpo. Moveu-se várias vezes num movimento retilíneo, como se o ritual a acalmasse. De nada adiantou: pensou em inventar uma história, pedir desculpas, ir além do que sua seriedade permitia: seria tola como ninguém. Seria também enganada por um mundo de sonhos pelo qual nunca almejara, sabia. Desistiu da idéia, pensando em encarar os problemas com o peito estufado. Para quê? Mais punhaladas? Não, não suportaria mais um dia debaixo daquela tempestade. Dobrou a carta, devolvendo-a à mochila. Passou a ponta do cachecol pelo rosto, enxugando as lágrimas - de nada adiantariam. O relógio, dessa vez, pareceu mais solidário: dentro de alguns minutos não estaria mais apenas na companhia da sua sombra. Levantou-se, levando suas coisas para o quarto. No caminho de volta, percebeu seu reflexo no espelho do banheiro, cuja porta estava aberta. Abriu a torneira e deixou a água impiedosa refrescar o calor de sua pele. Que dia horrendo, pensou. Que dia... ímpar.

A maçaneta mais uma vez foi girada, seguida por um assobio longo e alto. Quem entrou na casa, encontrou uma garota alegre, que lia algum livro de geografia, dizendo estar satisfeita com o que comera ao chegar. A mochila repousava ao lado do seu corpo, sobre a cama macia.

Ninguém saberia dizer porque aquela tarde comum era única na vida de alguém(s).



quarta-feira, 2 de abril de 2008

eighteen

Estou sem saco para montar textos "legais". Legal, tenho dois dias para cometer um crime. Eu vou fazer dezoitão na sexta e isso não vai mudar em nada a minha vida. Só se eu quiser muito fazer algo ilegal ou pedirem minha carteira de identidade em algum lugar, para informar o que minha cara de criança não diz. Quer dizer, eu continuo a mesmo garota né. Acordei meio em cima da hora, comi duas bananas e desci para o meu destino bonito de ônibus lotado, pernadinha e cursinho. Eu fiquei irritada porque arranharam (pela vigésima vez) o carro da minha mãe, sendo que ele voltou sábado para casa, novinho em folha. Eu realmente odeio pessoas que fazem isso e 99% dos moradores do meu condomínio. Não vou prolongar isso. Vou dedicar um post para comentar os problemas a serem enfrentados num único ônibus (mochilas, má vontade, crianças, novatos, enfim). No fundo, vou ser sempre extremista com as pessoas. Elas merecem isso. Quer dizer, metade das pessoas só finge ser alguma coisa. E, quem é realmente algo, escolhe ser algo totalmente desprezível. Sim, se quiser me inclua nelas. Fora do assunto, mas eu realmente tenho preconceito com o curso de Biblioteconomia e meninas muito feias. Fiquei falando disso hoje. Sério, mulheres têm muito mais recursos a serem utilizados, muito mais formas de hum... aflorarem a beleza exterior e papapá. No armário delas não precisam existir somente calças e camisetões, elas têm muito mais liberdade! E e e... sei lá, conseguem ser muito feias. Tipo não existe desculpa. Seja machismo ou o que for, não gosto. E eu tentei conversar com gente que não vejo há algum tempo. Pela primeira vez, isso de 'aniversário' me deixou realmente aborrecida. Quer dizer, não é aquilo de tratar isso como o Voldemort é tratado em Hogwarts (comparações a la Harry Potter são tudo, neám)... eu acho uma data estranha porque, por um dia na vida, você se vê obrigado a viver em algo totalmente vocêcentrista. Ah, eu fico meio paranóica. Tipo primeira menstruação, que tu anda na rua escondendo a bunda (porque parece que todo mundo sabe e que vai existir uma mancha gigante e vermelha na calça). Ok, eu sei que não deve ter sido gostoso de ler isso. Nem em escrever, acreditem. "Parabéns pra você" é uma musiquinha infeliz. Eu só não gosto de como todo mundo te adora no dia das comemorações e depois te trata normalmente. Fora que, se existe comemoration, é porque eu estou promovendo um encontro de estranhos para meu bel-prazer, o que eu considero totalmente egoísta e esquisito. Mas nada contra aniversários alheios, of course. Tá, e estão mexendo com a minha cabeça. Milhões de re-marcações. Minha agenda está muito estranha. E eu não quero ouvir coisas como "ah, isso que tu nem trabalha" ou "ai, ser jovem é que é bom". Eu vou ficar um século estudando para o vestibular, para chegar no dia e atravessar a cidade por causa de uma prova que possivelmente vai me deixar irritada e fazer eu me sentir burra. Quer dizer, existe a preparação... em termos de morrer lendo livros chatos e realmente estudar e, claro, o negócio psicológico... Claro que eu não quero morrer tentando, prefiro me contentar com a idéia de conseguir o que eu quero num futuro não distante. Enfim, estou meio blé. Eu fiquei um tempo conversando com o tio da locadora (de filmes) outro dia e foi bom, me senti amigável. Quer dizer, offline eu não me forço para parecer uma pessoa legal. Eu ajo normalmente, não vejo sentido em ser total legal com uma pessoa que nem sei quem é. Falando em humanos de novo (ah tri), me lembrei de algo que me revolta em dobro: coisas óbvias no Orkut (não que eu esteja livre delas, mas...). "O que não suporto: falsidade, mentira e traição.". Sério, que coisa mais repugnante. E eu ainda tenho que extrair meus sisos! Tudo culpa do aniversário.

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