sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Fuck this shit.

"Acabei me sentando num banco, num canto um pouquinho menos escuro. Puxa, ainda estava tiritando como um filho da mãe e na parte de trás da cabeça, apesar de eu estar de chapéu, tinha uma porção de pedacinhos de gelo. Isso me preocupou. Achei que provavelmente ia apanhar uma pneumonia e morrer. Fiquei imaginando milhões de chatos indo ao meu enterro e tudo.  Meu avô de Detroit, aquele que fica lendo alto o nome das ruas quando a gente anda numa porcaria dum ônibus com ele, e minhas tias - tenho umas cinqüenta tias - e todos os nojentos dos meus primos. A tropa toda ia estar lá. Estavam todos lá quando o Allie morreu, a cambada toda de imbecis.  Tenho uma  tia imbecil, que tem mau hálito, que não parava de repetir que ele estava tão sereno no caixão. O D.B. é que me contou, eu não fui lá. Ainda estava no hospital. Tive que ir para o hospital e tudo quando machuquei minha mão. Seja como for, fiquei com medo de apanhar uma pneumonia e morrer, por causa daqueles flocos de gelo no cabelo. Me deu uma pena danada do meu pai e da minha mãe. Especialmente da minha mãe, porque ela ainda não se conformou com a morte do Allie. Ela não ia saber o que fazer com todos os meus ternos e equipamentos esportivos e tudo.  Só tinha uma coisa boa, era saber que ela não ia deixar a Phoebe assistir à droga do meu enterro porque é muito criança.  Essa era a única coisa boa. Aí pensei na cambada toda me metendo numa droga de cemitério, com meu nome num túmulo e tudo.  Cercado de gente morta.  Puxa, depois que a gente morre, eles fazem o diabo com a gente.  Tomara que quando eu morrer de verdade alguém tenha a feliz idéia de me atirar num rio ou coisa parecida.  Tudo, menos me enfiar numa porcaria dum cemitério. Gente vindo todo domingo botar um ramo de flores em cima da barriga do infeliz, e toda essa baboseira. Quem é que quer flores depois de morto?  Ninguém.
 

Quando faz bom tempo, meus pais vão freqüentemente ao cemitério e espetam um punhado de flores no túmulo do Allie. Fui com eles umas duas vezes, mas aí parei. Em primeiro lugar, não tenho o menor prazer em ver o Allie naquele cemitério maluco. Todo cercado de caras mortos e túmulos e tudo. Não é tão ruim quando faz sol, mas duas vezes - duas vezes - estávamos lá dentro quando começou a chover. Foi horroroso. Choveu na porcaria do túmulo dele, e choveu na grama em cima da barriga dele. Chovia por todo lado. O pessoal todo que estava de visita saiu correndo para os carros. Foi isso que me deixou doido. Todo mundo podia correr para dentro dos carros, ligar o rádio e tudo e ir jantar em algum lugar bacana - todo mundo menos o Allie. Não agüento um troço desses. Eu sei que é só o corpo dele e tudo que está no cemitério, que a alma está no céu e essa merda toda, mas assim mesmo não podia agüentar aquilo. Só queria que ele não estivesse lá. Quem conheceu o Allie entende o que estou querendo dizer. Não é tão mau assim quando tem sol, mas o sol só aparece quando cisma de aparecer."


J.D. Salinger


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