Com o que ele me escreveu eu poderia reutilizar folhas e mais folhas para imprimir trabalhos e poupar a natureza da morte precoce. É tanto papel! Outra pessoa poderia dizer que "poderia limpar a bunda com isso", mas aí eu já acho exagero. Mas a verdade é que, se eu e ele lêssemos juntos as coisas que escrevemos certamente sentiríamos um misto de vergonha por nós mesmos e um do outro individualmente. Eram palavras de adolescentes, e adolescentes sempre dramatizam demais as coisas. E, por esse exagero todo - e outros motivos -, não acho que valha a pena guardar essa papelada como se fosse uma peça rara em um museu. Esse assunto começou quando eu precisei imprimir uns slides pra estudar uma disciplina impossível e revirei a casa atrás de mais folhas. E encontrei aqueles rascunhos em caligrafia-de-madrugada, rasurados com caneta Bic preta. Compartilho a idéia de que folhas sem pauta são mais bonitas, então é natural que as frases formem diagonais pelo espaço. Como eu precisava muito imprimir aquele material, peguei umas páginas que eu mesma preenchera. Parecia que assim eu seria menos fria e mais sentimental. Só que, no fim da história, eu esqueci esses slides em algum lugar, o que não me deixa confortável. Eu acho que o romantismo vem justamente dessa idéia de substituir sentimentos por um vazio, para então suprir esse vácuo com algo belo novamente. Quer dizer, se alguém ler o que eu escrevi por aí, pode ser que ache útil e bacana. Mas o fato foi que, mesmo sem querer, foi uma coisa que eu descartei. Claro que eu descartei bem antes, quando deixei de sentir o que eu escrevi que sentia, mas é engraçado pensar nesse tipo de coisa como se pudesse ser materializável. Comecei com as páginas chorosas que nasceram do meu próprio punho esquerdo para, então, tirar da inércia as páginas que ele escreveu com o punho tatuado. E eram folhas e mais folhas, de uma quantidade absurda! Pensei em ligar pra ele e dizer "você não tinha nada pra fazer, ein?", mas como eu sabia de toda a verdade, de como era a vida dele naquela época, seria um tanto sem sentido eu fazer uma pergunta. Ainda mais assim. Me dei conta de que eu nunca mais escrevi aquelas coisas, e isso me deu uma certa tristeza, como se eu estivesse deixando de viver as novidades de um novo romance. Mas isso não durou muito. Comparando os velhos e os novos relacionamentos, é gritante a evolução. E acho que o fato de me surpreender com coisas diferentes me mostra o quanto mudar de ares pode ser bom. Se, antes, as declarações iam e vinham através de cartas inacabáveis, hoje elas chegam através de imagens e cenas que não necessariamente vão estar gravadas em vídeo ou papel, mas que se mantêm na memória e são revividas com os cinco (ou seis, ou mil) sentidos. Pensando assim, comecei a olhar para aquelas folhas com certa pena, como se elas fossem realmente limitadas. Limitadas ao fracasso do esquecimento na gaveta, das traças, do fogo de um fósforo. Nem lembro das coisas que eu disse ou que me disseram. Tanto faz, elas viraram verso de algo mais importante - o presente. E todo esse pensamento meleca sobre reutilizar folhas que um dia significaram declarações de afeto me fez lembrar de uma teoria que nega o pecado e, portanto, o perdão. E o sentido nisso tudo é que é válido agir como bobo, ser adolescente e também se desfazer dessas emoções. Ser e deixar de ser sem culpa. (Mas limpar a bunda com as folhas é maldade!)
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Reciclagem emocional
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Pensado por
Ivy
às
06:00
Assuntos:
breguinha,
coisas aleatórias,
diferenças,
ficção
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2 comentários:
mesmo namorando outra pessoa há mais de um ano, ainda não consegui me desfazer de cartas de outra pessoa :/
:O adorei!
... por enqnto, as minhas estão bem guardadas, invisíveis.. realmente não quero mexer nelas pq me assusta um pouco isso que tu escreveu "deixei de sentir o que eu escrevi que sentia" ... pensar que o que eu pensava não é mais válido, me faz questionar se alguma vez foi válido! Tenho medo da ilusão.
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