quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Next!

As mãos trêmulas, o olhar assustado, o celular vibrando sobre o criado-mudo. "Atendo, não atendo, atendo, não atendo, atendo..?". A música insistia em tocar, mostrando que pelo menos um dos dois ainda tinha o que dizer. Sophie se irritava com sua demora em atender a ligação, mas aos poucos se convencia de que desejava mesmo ficar em silêncio, encerrar o drama. Uma hora a mais chorando é mais um período que se perde. E ela nem queria ter ocupado aquele espaço da vida dele. De verdade. E começou a culpar "o sistema", que pressiona as pessoas a forçar que se sentem atraídas e conectadas de alguma forma, numa tentativa de maquiar a solidão do dia-a-dia com garrafas de vinho, sorrisos inexpressivos e diálogos vazios. E transas fáceis. Vez após vez. Durante essa fase, em questão de três encontros já se tem um namorado - que, três meses depois, se tornará passado. Quatro meses, se houver muita boa vontade. E as semanas de Tim já tinham expirado segundo o conta-gotas de Sophie. "Fim. Simples assim. Não é de mim que você precisa, convenhamos.". Falsa (in)segurança. Talvez ela quisesse a prova de que ela estava errada, que estava sendo muito dura. E talvez fosse o que Tim estava tentando fazer ao insistir em discar os mesmos números. E ele fazia isso compulsivamente, como se houvesse algum erro na ordem dos algarismos. Apesar da preocupação, o que ele sentia era uma leve indiferença. "O fim nunca é mesmo o fim." São pessoas... ninguém funciona como um reloginho, que deixa de contar os minutos se está com a bateria descarregada. Nem tudo é necessariamente polarizado, existe um longo caminho entre o estar envolvido, apaixonado, o que for e o lado oposto. Mas talvez essa certeza seja o ponto cruel de toda a verdade: não perceber que houve uma rachadura. E não deveria ser tudo tão intenso em um tipo relacionamento que chega a acontecer umas quatro vezes ao ano. A falta de clareza em relação aos limites e aos próprios objetivos pessoais pode comprometer ainda mais a troca de sentimentos. E blá blá blá. Sophie esperou as ligações cessarem para ter de novo o celular em mãos. Limpou os olhos borrados de preto e repensou o horário que acordaria na manhã seguinte. Teve o azar de atender, por engano, a última tentiva de alcançar qualquer diálogo de Tim. Percebeu o feito segundos depois, se assustando com a voz grave. Desligou o aparelho. "Assim vou ficar sem despertador". Resolveu que ouviria o que ele tinha a dizer, afinal precisava acabar com tudo logo. Precisava trabalhar de dia, e a madrugada passa muito rapidamente. A fala dele parecia desesperada, como se tivesse passado um tempo imerso em água. E talvez ele mesmo estivesse consciente de que todo o drama talvez não valesse a pena. Talvez ela não fosse a pessoa certa mesmo. Se é que isso existe... "Foi muito bom, obrigado. Passar bem." - pensou em dizer. Seria grosseiro, de certa forma. Mas ela gostava de palavras cuspidas na cara. Sophie, aquela estranha que ele encontrara um dia na feira. Ela nunca ia na feira, ele estava lá por acaso - "bairro novo, sabe como é...". Ela contava os segundos para ver a luz do sol e nunca mais ouvir falar sobre aquele cara. Não que Tim merecesse o anonimato (pelo contrário, ela torcia para que a banda dele desse certo), mas de nada adiantaria mantê-lo ali, naquele espaço sem forma da vida de Sophie. Arquiteta, perfeccionista, mas incapaz de enquadrar Tim ou qualquer outro sujeito conhecido em seu projeto de vida. Ele não fazia o tipo sensível ou cavalheiro, mas ficara incomodado com a "vontade de liberdade" repentina de Sophie. Sua fala foi um tanto precipitada, querendo resolver logo quem ficaria com o quê, quando ela buscaria as roupas, se iriam juntos ao show para o qual já tinham comprado os ingressos. Ela estranhou a frieza. Para dizer a verdade, esperava um pouco mais de sofrimento, um pouco mais de enganação... "Oh, Sophie! Como vou viver sem você, minha querida?". Porque mesmo não acreditando que eles fossem certos um para o outro, ela queria acreditar que era a pessoa certa para outro alguém. Se é que isso existe. E ela queria que existisse. E, Tim, por sua vez, talvez sentisse certo alívio por tudo ter chegado ao fim. Nem sempre a maior angústia é de quem recebe calado a advertência. Ele consentiu.



segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sobre a quebra da inocência.

Não sei definir "quebra da inocência" de maneira menos brega ou mais complexa. Nomeio assim aqueles sustos momentâneos que fazem com que a criança amadureça de forma bruta, sem o intermédio de adultos que tentam amenizar a situação com eufemismos. É um fenômeno extremamente subjetivo, que é absorvido de formas diferentes por cada um. Minha vontade era de descobrir todas as formas que esse acontecimento assume, de analisar todos os contextos. Eu penso que são esses pequenos "baques" que comprometem a nossa estrutura infantil e nos tiram da redoma do mundo imaginário. Eu posso parecer estar trazendo palavras óbvias e velhas, mas eu realmente duvido que exista um número considerável de pessoas que pense nisso com a mesma intensidade. São cenas como a do Holden quando vê "Fuck you" pichado na escola da irmã pequena. A quebra da inocência tem esse caráter cruel da irreversibilidade, esse escancaramento da verdade incoveniente, esse poder de assombrar as mentes ingênuas, instigá-las a dar uma de Pandora e abrir a caixa. É o limite entre o mundo real e o mundo ideal. Mostra que os sonhos são apenas sonhos. É como ouvir por detrás da porta que um parente querido morreu. Mais do que isso: a quebra da inocência se dá nos milissegundos em que a criança passa a entender o significado de morte. Mesmo que isso seja um processo natural do aprendizado. De baque em baque, a criança cresce e muda sua maneira de interpretar o mundo. Percebe o quanto as pessoas são vulneráveis, o quanto as famílias não são perfeitas, percebe que as coisas não são estáveis. Vai se decepcionar ora ou outra, vai perder, e terá de aprender a lidar com isso sem se tornar um falso-herói. Esse assunto me faz pensar em bullying, sexo, e outras coisas aleatórias, tipo eu aos doze ou quatorze anos. Parece muito coisa de menininha, mas é tão universal. E eu acho absurdo o modo como as redomas das novas gerações vem sendo bombardeadas.


You better run for your life if you can, little girl

Ficamos parados na calçada e eu só conseguia pensar que eu não queria mais estar ali. Minha vontade foi de sair correndo e correndo e correndo e vencer a distância até a Lua ou até qualquer lugar muito distante que parecesse seguro. E, na minha mente, eu estava correndo com passos largos - conseguia ver o trajeto até o parque, recheado de construções não muito simpáticas, entediantes e sólidas, que não me ofereceriam refúgio algum. Mas meus pés estavam fixos no chão, como se uma corrente com uma esfera de ferro estivesse me impedindo de andar. E eu já não sabia se aqueles segundos em que eu ainda estava acompanhada deveriam ter um significado positivo. Eu não queria ouvir a resposta para o que eu dissera, não queria ouvir nada, absolutamente nada. Só queria fugir para qualquer lugar em que não existissem pessoas ou mesmo olhos para me observar. Qualquer julgamento é fatal quando nem nós mesmos sabemos o que estamos fazendo. E eu disse o que eu disse, contei o que eu fiz, e já nem sabia o quão verdadeiras eram minhas palavras ou mesmo meus sentimentos. Ele me olhou incrédulo, como se eu fosse a criatura menos merecedora de qualquer coisa. E não estou afirmando que eu não era essa criatura, apenas não sei dizer até que ponto tudo tinha ocorrido de forma intencional. E foi uma confusão: ele ficou mais do que chateado, eu fiquei mais do que perdida, e nós deixamos de trocar olhares. E, quando enfim eu corri, fui abordada por uma terceira pessoa que não tinha nada a ver com a história toda. Ele abriu os braços para mim e disse que eu estava certa. E eu sabia o quão errado ele estava, mas pensei que talvez estivesse certo. E se eu fosse a vítima da história? Aliás, por que eu não poderia ser? Quem disse que as coisas são preto no branco? Quem disse que eu agi por impulso e que agiria diferente se tivesse pensado a respeito? Eu parei de correr por dois segundos, então voltei a pular as lajotas numa tentativa de chegar no parque a tempo de ver o pôr-do-sol. Cheguei em casa sem perceber que errara o caminho, que eu deveria ter chegado no parque. Me senti tão fraca, tão fraca. E prometi que nunca mais ia ser sincera novamente - porque as pessoas não estão preparadas para ouvir as coisas, porque elas repudiam qualquer sinal de imperfeição. E eu quis correr mais, mas não havia fuga possível. Eu estava presa na minha cabeça, na bagunça dos meus pensamentos. Nem só de medo ou culpa ou raiva vive uma pessoa. E eu só queria entender por que parecia que eu estava tão errada, apesar de estar fazendo apenas o que eu sentia que deveria fazer.


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