segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

rewritting

- Eu tenho que te dizer que, naquela vez, eu não queria mesmo ir. Não queria ir, mas era o que eu tinha que fazer. E você tornou tudo insuportável, sabe. Se eu ficasse seria suicídio.
- Mas você preferiu ir. Foi fraco.
- Fraco? Fraco?! Não, você não quis dizer isso... eu sei que não quis...
- Fraco mesmo. E daí que eu existia, eu era uma criança e você sabia disso! Você tinha que ter ficado lá e...
- E o quê?
- Era a minha vontade. Eu queria que você tivesse fic
ado.
- Você queria muita coisa, muita gente ao mesmo tempo.
- Ué, eu tinha entendido que você gostava de mim.
- É, mas gostar e depender são coisas diferentes. Fora que, né, olha a minha cara de ingênuo... Você não pensa realmente que eu achei que nós seríamos perfeitos, pensa?
- Mas nós éramos perfeitos, só que do nosso jeito.
- Do nosso jeito imperfeito? Não, não se iluda... eu estou bem com o que aconteceu, a gente não precisa re-pintar tudo usando cores mais vibrantes. Deixe o cinza como está, a gente não precisa disso.
- A gente? Você quer dizer que ainda...?
- Não. Pare de fantasiar.
- Sabe, naquela época eu realmente não entendia o que vo
cê fazia, mas hoje eu vejo que...
- Você ainda não entende.
- Então me faça entender. Por favor...
- Não, não é assim que funciona. Você nunca procurou ver como foi difícil pra mim? Eu tenho que descrever tudo sempre? Desenhar?
- Eu acho que se você gostasse de mim de verdade não desistiria.
- Eu não desisti, eu simplesmente perdi. Que merda.
- Não perdeu por minha culpa, foi você quem foi embora...
- É, você não tem culpa de nada, nunca tem: eu esqueci desse detalhe...
- O quê? Vai me culpar agora?
- Não sou eu que sou inconstante.
- Como não?
- Meu comportamento é normal, completamente explicável, com ações e reações.
- Então porque não ficou, se era o que você queria?
- Porque eu tinha que recomeçar a minha vida.
- Achei que seu lugar fosse do meu lado...
- Quando eu era o único, eu estava em todos os lados, eu te encontrava, eu sabia o que fazer... mas você tem essa mania de se perder por aí, de se perder com qualquer um... Eu não suporto isso e nem tenho que suportar. Não é por aí.
- Você não queria nada sério nunca, agora vem e diz isso.
- Eu não disse que não queria nada sério. Eu só não fui tão óbvio quanto você queria.
- Então eu estava livre para sair com quem quisesse.
- Tudo bem. É claro. A sua liberdade não depende de mim. Mas você tem que entender que existem prioridades... e eu tenho o direito de escolher quem me quer.
- Lá vem ele falar da outra...
- Eu não vou falar de ninguém. Eu não estou te comparando.
- Sabe, eu acho que subir naquele trem foi a pior merda que você já fez.
- Eu o faria de novo, se você quer saber.
- Não se arrependeu mesmo?
- Eu acho que a gente não daria certo mesmo.
- Eu não acho isso.
- Olha pra você, você quer que eu fique com você ainda hoje e te leve pra casa depois do café, quer que eu prometa que vou ligar e, quando eu ligar, você vai
pensar que resolveu o caso, que eu realmente não te esqueci, que você ganhou o jogo. E vai partir pra outra.
- Não... não, eu não vou. Que horror. Se você quer saber, eu vim aqui disposta a começar tudo de novo com você. Eu quero que você me abrace mesmo, quero tomar café, quero que você tenha algumas roupas lá em casa, quero que você bagunce tudo, que me irrite às vezes e todas essas coisas que a gente fazia.
- Assim, tão fácil? Você nem sabe como anda a minha vida, se eu estou com alguém, se...
- Que merda! Não percebeu que isso não importa? Eu estou me submetendo a uma tremenda humilhação e...
- Humilhação foi o que você fez comigo. E não ouse dizer que não.
- Eu já te disse que eu era imatura.
- Tudo tem limite. Tudo.
- E vai dizer agora que não sentiu falta de nada?
- Não, eu não nego que tenha passado por dias terríveis, semanas perturbadoras...
- Então?
- Não sei. Não quero. Você não mudou. E eu nem queria que mudasse, é só que eu não agüento isso, o seu comportamento aleatório.
- Você não sabe o trabalho que deu conseguir seu telefone.
- É, eu também batalhei para conseguir o seu naqu
ela época.
- Vai ficar por isso mesmo? Não vai dizer que sim nem que não?
- Eu tentei fazer com que você interpretasse tudo como um não.
- Isso é o que você quis ou o que você teve de fazer?
- Se tivesse um trem agora por aqui, eu subiria nele e ficaria te olhando da janela. Sabe, da outra vez eu tive que ficar olhando você beijando um outro sujeito, que não era nem o mesmo do bar. Eu preferia que fosse ele, pelo menos eu pensaria que ele estava cuidando de você.
- Eu sinto muito. Mas eu ainda acho que você suportaria mais do que isso, você foi fraco.
- Sabe, você estragou tudo.
- É, eu sei.
- E, sabe, você nem se importa com a minha vida, você m
esma disse. Eu poderia estar matando um dia de trabalho para vir te ver e você nem liga.
- Você não faria isso... Você é tão certinho.
- É, eu não faria... mas não faria porque você não merece.
- E se eu te disser que não teve graça, ein? Que nenhum dia pra mim teve graça desde aquele maldito dia em que eu te vi subir no trem.
- Eu acho que é tarde demais para você ver isso. E também acho que é mentira sua.
- Você acha que algum cara é como você?
- Não. Mas eu não encaro isso como elogio. Sabe, eu não
tenho muito tempo. Você me aborrece.
- O que mais?
- Sei lá, só isso. Você fudeu com tudo, conseguiu o que queria.
- Não, não consegui.
- Eu acho que esse é o seu único desafio agora, sabe, me fazer voltar. Porque eu sou teimoso e resisto aos seus vestidos decotados, os outros não.
- Você acha que eu ganho os outros só pelos decotes?
- Francamente eu acho. Ninguém quer saber o que você pensa se tem um par de seios bonitos.
- Que crueldade! Sabe, eu quase me casei.
- Com um cara rico? E, ah sim, só não casou porque lembrou de mim, veja só!
- Ah, você não sabe conversar mesmo! Garçom, a conta!
- O que foi, decidiu ir embora assim?
- Ué, você não estava entediado?
- Sim. Hey, eu pago.
- Achei que...
- Não, eu não sou nenhum pé-de-chinelo. Você casaria comigo só pela grana, se fosse o caso. Eu quero dizer, eu já tenho um atrativo, não precisaria que você gostasse de mim. Só que eu não faria isso, não é nada justo.
- Pelo menos eu já disse que queria recomeçar antes de você falar isso.
- É, você continua engraçadinha. Eu gosto disso.
- Pra que lado da cidade você vai?
- Vou te deixar em casa, não se preocupe.
- Não, eu vou pegar um táxi...
- Eu sei que você quer que eu te leve.
- É o que eu quero, mas não é o que eu devo fazer. Eu tinha que achar um trem por aqui e fazer a mesma cena da despedida...
- Não precisa fazer isso. Sabe, eu já disse que estou bem com o que aconteceu.
- E sua família? Eu quero dizer, você pode ter uma filha e eu não saber, pode ter casado com aquela outra e...
- Eu não sou pra casar.
- Hum.
- Eu te levo.
- Sabe, eu continuo achando que foi uma merda o que você fez.
- Eu começo a pensar que sim. Mas era o que eu tinha que fazer.
- Eu continuo morando por lá, só que é do outro lado do parqu
e.
- Eu sei. Eu tenho pesquisado sobre você. Foi por isso que eu vim.
- Nossa.
- Surpresa?
- É que eu realmente não achei que você se lembrasse de mim, sabe, desse jeito.
- Eu lembro de muita coisa. Eu não sou desligado, como você diz.
- Você é meio parado, meio inerte para tudo. Está sempre pensando em coisas distantes.
- Aqui estamos.
- Que rápido.
- E então?
- Você sabe onde eu moro. Fica no carro e espera eu en
trar. Se for o caso, você vai saber voltar. Eu não vou ficar esperando.
- É, você cresceu.
- Eu disse.
- Eu tenho que voltar pro trabalho agora, mas eu te ligo mais tarde.
- Você não disse que...?
- Eu não ia perder isso por nada.
- Sabe, eu estou com um pouco de medo. Eu não vou estar preparada, caso você pretenda se vingar. Eu estou desarmada.
- Eu acho que a gente não tem tempo pra isso.
- A gente? Você quis dizer...?
- Sim.
- Se eu pudesse ter parado aquele trem...
- Eu vou voltar dessa vez.


Um comentário:

Stigger disse...

Acho que gosto das coisas que escreves, definitivamente.

:)

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