Ele deixou cair a merda do relógio e ficou me olhando com aquela cara de quem não sabe o que fazer, pensando que ele era um desastrado mesmo, mas que tudo seria melhor se eu não gritasse tanto. Bufei e chutei um pouco de terra pro alto e saí andando campo afora. É sempre chato quando não se tem um lugar aonde ir quando a gente precisa de um. A minha vontade era de pegar as coisas e sair por aí, como a gente vê nos filmes. Só que, como eu disse, isso só dá certo nos filmes.
Eu não queria admitir que o que ele fez foi realmente inocente, mas eu não podia deixar de culpá-lo por ter destruído o meu único elo com, bem, eu simplesmente não tinha como agir com indiferença. Não foram ovos quebrados, nem um vidro de perfume, nem nada que valesse algum dinheiro: era só o meu relógio, o meu relógio. E, agora, nem mais ver o tempo passar eu podia. Era a minha motivação.
Está certo que, às vezes, os ponteiros param e a pilha é trocada, mas isso não muda o fato de que aquele objeto em especial era intocado. Eu sempre o guardava num bolso, próximo ao peito - enrolava a corrente pelo qual estava pendurado o medalhão e mergulhava o pequeno embrulho metálico no bolso. Se você quer saber, ele não fora do meu avô, nem resistiu à Primeira Guerra Mundial, nem nada assim. E talvez não fosse tão bonito mesmo, mas significava muito.
Eu nem deveria falar disso agora. O que importa é que o infeliz do Larry vai choramingar a noite inteira por causa do ocorrido, vai me oferecer seus óculos (iguais aos do Neo) e o que for para não se sentir em dívida comigo. E eu estou pouco ligando. Ok, isso é mentira. A culpa foi dele, toda dele - talvez não totalmente. Ele é um bom amigo e fica nervoso com facilidade. Tipo aqueles idiotas dos filmes, que gaguejam e usam o mesmo corte de cabelo de quando tinham uns seis anos: ele é o perfeito idiota.
O problema todo é que ele não tem vontade própria e é totalmente submisso ao que eu e todo mundo achamos dele. Ser bom em física deveria ter como recompensa alguns benefícios, tipo músculos e garotas. Ou não. Eu sou bom em física e não tenho nada disso, senão um amigo idiota e um relógio quebrado. É até irônico não poder ver o tempo correr nesses momentos de crise. A moral do relógio era essa, só essa. Eu o comprei durante uma fase nebulosa e me fazia bem deitar na cama e ficar seguindo os ponteiros com os olhos, ainda que isso pareça sacal.
Pensei em aceitar os óculos, mas isso não seria justo com o Larry. Oh, Deus, ele é tão idiota. E eu me sinto como ele, idiota, quando falo de uma coisa que eu não acredito. Eu tenho este hábito de falar sozinho também, em voz alta, e já surpreendi muitos desavisados com isso - essa gente que entra no meu quarto achando que é o banheiro e encontra um marmanjo deitado e conversando com as paredes. Eu moro em uma pensão, no último quarto do corredor. A minha maçaneta está estragada, antes que alguém pergunte. Eu fiquei de arrumar, mas isso foi há quatro meses.
A minha mãe me manda dinheiro para o aluguel, para o resto eu me viro. Aquele relógio custou uma puta grana, na verdade, muito mais por ser antigo do que qualquer outra coisa. O vi dentro de uma caixa marrom e pequena, sob uma espécie de cofre de vidro, onde ficavam expostas as jóias da loja. Era uma típica loja de velhos negros que gostam de Jazz e ainda estão à procura de alguma mulher para presentear. Eles são sempre assim aos meus olhos. Não me parece mau... é, nada mau.
A verdade é que, junto com o relógio, se foi todo um lance de memória, afinidade, essas coisas com um quê de afeto que fazem a gente parecer mais meloso do que realmente é. Tipo quando se dá um buquê de rosas para uma garota, desejando que ela, enfim, te receba de portas bem abertas. É uma maneira fácil e indolor de conseguir que ela te veja com bons olhos quando, no fundo, você não só não foi nada original como foi incapaz de realizar a façanha de escrever um cartão com algumas palavras que enfeitassem um pouco a sua mentira.
Eu não sou dessas pessoas que cortam o cabelo para começar uma nova vida, mas eu tenho manias tolas e cadarços que me dão sorte. É idiota falar isso, eu sei - droga, nem o Larry tem essas idéias -, mas eu aposto como existe mesmo troca de energia entre alguém e um objeto de suma importância. É como se aquilo te desse força, tipo um escapulário. E eu que pensava que era o mais cético dos céticos.
E, se eu pensar bem a respeito, concluo que esse apego às coisas se deva a minha falta de apego com as pessoas. Autoanálise não funciona, eu sei, e não é essa a minha intenção. A moral é que eu estou sentado nesse quarto há umas vinte horas e não sei o que fazer e nem o tempo exato que eu gastei escrevendo isso. Eu deito na cama e torno a levantar, eu olho pela janela e vejo a chuva molhar a terra e a grama e todas aquelas plantas que eu não sei nomear. E quem se importa com aquelas plantas - que, por sinal, não são roseiras - ? Parece até que o mundo é feito de cães, humanos e rosas.
O fato é que o Larry é um doente e eu vou demorar até encontrar algo para me entreter. Eu deveria arrumar a maçaneta e deixar de me preocupar com esses hóspedes que não sabem ler placas em portas. Eu deveria, eu deveria, eu deveria tanta coisa... Só não quero aceitar que eu matei o tempo para me dedicar àqueles ponteiros e agora só a corrente está inteira. Que vida desperdiçada, cruzes. De qualquer jeito, eu sempre tive que encontrar algum lugar para chamar de meu. Seria mais fácil começar pelos músculos, pela tática das rosas, pegar a mochila e sair por aí... mas eu não sei a hora certa para agir. Nunca soube.
Eu não queria admitir que o que ele fez foi realmente inocente, mas eu não podia deixar de culpá-lo por ter destruído o meu único elo com, bem, eu simplesmente não tinha como agir com indiferença. Não foram ovos quebrados, nem um vidro de perfume, nem nada que valesse algum dinheiro: era só o meu relógio, o meu relógio. E, agora, nem mais ver o tempo passar eu podia. Era a minha motivação.
Está certo que, às vezes, os ponteiros param e a pilha é trocada, mas isso não muda o fato de que aquele objeto em especial era intocado. Eu sempre o guardava num bolso, próximo ao peito - enrolava a corrente pelo qual estava pendurado o medalhão e mergulhava o pequeno embrulho metálico no bolso. Se você quer saber, ele não fora do meu avô, nem resistiu à Primeira Guerra Mundial, nem nada assim. E talvez não fosse tão bonito mesmo, mas significava muito.
Eu nem deveria falar disso agora. O que importa é que o infeliz do Larry vai choramingar a noite inteira por causa do ocorrido, vai me oferecer seus óculos (iguais aos do Neo) e o que for para não se sentir em dívida comigo. E eu estou pouco ligando. Ok, isso é mentira. A culpa foi dele, toda dele - talvez não totalmente. Ele é um bom amigo e fica nervoso com facilidade. Tipo aqueles idiotas dos filmes, que gaguejam e usam o mesmo corte de cabelo de quando tinham uns seis anos: ele é o perfeito idiota.
O problema todo é que ele não tem vontade própria e é totalmente submisso ao que eu e todo mundo achamos dele. Ser bom em física deveria ter como recompensa alguns benefícios, tipo músculos e garotas. Ou não. Eu sou bom em física e não tenho nada disso, senão um amigo idiota e um relógio quebrado. É até irônico não poder ver o tempo correr nesses momentos de crise. A moral do relógio era essa, só essa. Eu o comprei durante uma fase nebulosa e me fazia bem deitar na cama e ficar seguindo os ponteiros com os olhos, ainda que isso pareça sacal.
Pensei em aceitar os óculos, mas isso não seria justo com o Larry. Oh, Deus, ele é tão idiota. E eu me sinto como ele, idiota, quando falo de uma coisa que eu não acredito. Eu tenho este hábito de falar sozinho também, em voz alta, e já surpreendi muitos desavisados com isso - essa gente que entra no meu quarto achando que é o banheiro e encontra um marmanjo deitado e conversando com as paredes. Eu moro em uma pensão, no último quarto do corredor. A minha maçaneta está estragada, antes que alguém pergunte. Eu fiquei de arrumar, mas isso foi há quatro meses.
A minha mãe me manda dinheiro para o aluguel, para o resto eu me viro. Aquele relógio custou uma puta grana, na verdade, muito mais por ser antigo do que qualquer outra coisa. O vi dentro de uma caixa marrom e pequena, sob uma espécie de cofre de vidro, onde ficavam expostas as jóias da loja. Era uma típica loja de velhos negros que gostam de Jazz e ainda estão à procura de alguma mulher para presentear. Eles são sempre assim aos meus olhos. Não me parece mau... é, nada mau.
A verdade é que, junto com o relógio, se foi todo um lance de memória, afinidade, essas coisas com um quê de afeto que fazem a gente parecer mais meloso do que realmente é. Tipo quando se dá um buquê de rosas para uma garota, desejando que ela, enfim, te receba de portas bem abertas. É uma maneira fácil e indolor de conseguir que ela te veja com bons olhos quando, no fundo, você não só não foi nada original como foi incapaz de realizar a façanha de escrever um cartão com algumas palavras que enfeitassem um pouco a sua mentira.
Eu não sou dessas pessoas que cortam o cabelo para começar uma nova vida, mas eu tenho manias tolas e cadarços que me dão sorte. É idiota falar isso, eu sei - droga, nem o Larry tem essas idéias -, mas eu aposto como existe mesmo troca de energia entre alguém e um objeto de suma importância. É como se aquilo te desse força, tipo um escapulário. E eu que pensava que era o mais cético dos céticos.
E, se eu pensar bem a respeito, concluo que esse apego às coisas se deva a minha falta de apego com as pessoas. Autoanálise não funciona, eu sei, e não é essa a minha intenção. A moral é que eu estou sentado nesse quarto há umas vinte horas e não sei o que fazer e nem o tempo exato que eu gastei escrevendo isso. Eu deito na cama e torno a levantar, eu olho pela janela e vejo a chuva molhar a terra e a grama e todas aquelas plantas que eu não sei nomear. E quem se importa com aquelas plantas - que, por sinal, não são roseiras - ? Parece até que o mundo é feito de cães, humanos e rosas.
O fato é que o Larry é um doente e eu vou demorar até encontrar algo para me entreter. Eu deveria arrumar a maçaneta e deixar de me preocupar com esses hóspedes que não sabem ler placas em portas. Eu deveria, eu deveria, eu deveria tanta coisa... Só não quero aceitar que eu matei o tempo para me dedicar àqueles ponteiros e agora só a corrente está inteira. Que vida desperdiçada, cruzes. De qualquer jeito, eu sempre tive que encontrar algum lugar para chamar de meu. Seria mais fácil começar pelos músculos, pela tática das rosas, pegar a mochila e sair por aí... mas eu não sei a hora certa para agir. Nunca soube.
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