Eu resolvi que não caminharia em linha reta, indiferente àquela curva. Estava numa estradinha de areia, que traçava destino sobre aquela imensidão verde-grama. Eu segui toda a inclinação, passando um pé pela frente do outro, de forma lenta e compassada. A música que eu estava ouvindo me fez pensar em outros rostos, outros cabelos de inverno. Quando a noite é fria, os fios de cabelo ficam gélidos e as pessoas falam pouco, esbaforidas por entre as voltas dos cachecóis nos pescoços. Tudo fica tão deliciosamente cinza-blue no inverno. Os outonos são mais alaranjados, mais beges, mais marrons: ainda arriscam certa alegria. E não é que o inverno seja de todo triste, mas aquela curva no chão, sinuosa e brincalhona, só poderia ser de outono. Eu decidi obedecer a faixa para ver se eu me sentia como outra pessoa. Outra pessoa qualquer, sabe, qualquer coisa que não fosse eu. A gente deveria poder tirar férias de nós mesmos às vezes. Não ficaria indiferente, pelo menos: acho que foi isso que eu me tornei. Chocolate quente é bom, chá é bom, café é bom... mas já não sinto aquela vontade de tomar alguma coisa. Eu gosto de quando a noite se impõe sobre a luz, gosto de como, pelo menos na natureza, existe respeito. Sabe, eu liguei hoje de manhã para um sujeito e ele bateu o telefone no gancho. Isso é coisa que não se faz! Desde então, com esse ótimo acontecimento - próprio para dar início a uma manhã feliz -, comecei a pensar em como seria bom assumir outra identidade. Quem sabe mudar o corte de cabelo, comprar uma jaqueta... não, essas mudanças externas não funcionam comigo. O problema de estar em constante mudança interna é que quem está ao seu redor não tem exatamente uma noção do que está acontecendo na sua vida. Pensando bem, isso não é um problema: serve até de proteção. Eu segui a curva do caminho e olhei para os lados e para trás, em busca de qualquer alma que parecesse consentir o que eu fiz. Sabe, eu precisava de um desses sorrisos que não dizem nada, desses que as pessoas fazem quando encontram, na rua, algum semblante conhecido e desconhecem sua origem. Eu precisava, na verdade, de qualquer coisa que me oferecessem. Um abraço, um pastel, um convite para jogar damas... qualquer coisa que deixasse meu outono menos invernal. Mas eu cruzei a porcaria da estradinha de areia e ninguém apareceu por lá. A grama continuou verde e intocada, inclusive as folhas secas que a enfeitavam. Aprecio os mosaicos naturais e penso que, de certa forma, eu também sou um. Todo mundo, de um jeito ou de outro, tem esse lado meio mosaico, meio Frankstein: a gente se constrói com um pedaço de um, um pedaço de outro e, quando vê, já não se encontra como um todo, mas em pedacinhos. Eu gostaria de saber o que levaram de mim ou o que eu emprestei de mim "sem saber". Não adianta chutar as pedras ou se importar com a poeira que sobe do chão a cada passo. Não adianta buscar, no pensamento, conversas passadas. Eu preferia ter de conviver mais com minha indiferença e menos com a minha solidão. Ser mais cinza-blue e menos grafite. Cheguei, então, ao fim da estrada: não ganhei nada na trajetória, mas também não me roubaram uma ou outra peça do mosaico. Isso deveria ser bom. Ou não.
5 comentários:
Eba, comecei bem feliz meu dia, lendo coisas interessantes assim.
"Ser mais cinza-blue e menos grafite."
Beijo menina
"Eu precisava, na verdade, de qualquer coisa que me oferecessem. Um abraço, um pastel...
Um pastel?
hauahuahuhauhahahuahahaque tri.
Mas não concordo que não tanha ganho nada no fim da estrada, porque cada pensamento durante o caminho foid e certa forma uma nova descoberta sobre si mesmo. Vulgo ser mais cinza-blue e menos grafite.
Eu prometi a mim mesmo não fazer analises tão profundas de textos, mas eu não consigo. Gostei deste.
Eu não comprei o apanhador surrado, nem mesmo achei de novo, mas eu downloadei ali do teu treco na barra lateral.
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Ditadora.
:p
hahaha foi ela quem excluiu, o comment entrou 2x
:c mimimi
eu peguei emprestado muitos dos seus pensamentos, peguei emprestado a noção de inverno e de cinza, trouxe comigo o cheiro de um travesseirinho do Grêmio que você usou pra se apoiar em um dos "simulões" que a gente foi, e ainda, roubei um abraço e uns grunidos que você usa, como "nhá, nhóim, weee, e nhái".
Agora você sabe o que eu levei (e ainda levo) de você e o que eu peguei emprestado sem você saber.
:D
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