Aquela cena durou minutos patéticos. Eu percebi o quanto ele estava desconfortável ao me ver ali, onde ele estava almoçando com sua nova garota. Mas que se foda o desconforto dele, eu é que estava numa posição lamentável. Acenei do meu lugar, desejando que as fritas saltassem da frigideira diretamente para a minha boca e que, assim, eu pudesse dobrar a esquina o mais depressa possível. Mas acho que a boa educação dele resolveu mostrar seu lado incoveniente: "E aí, quanto tempo? Como vão as coisas?". Eu acho impressionante essa idéia que muitas pessoas compartilham de que, uma vez próximos, a intimidade entre dois indivíduos dura para todo sempre. Não! Se eu abandonei o curso que eu estava fazendo ou mudei de casa, nada disso vai fazer a vida de alguém tomar outro rumo. Não há o que ser dito. Respondi qualquer coisa neutra, do tipo que não evidencia minha felicidade ou meu fracasso. Bem sem sal. E era isso que eu queria transmitir, algo bem "ok, acabou a festinha. go home". Durante a tarde, pensei no quanto aquilo tudo tinha sido chato. Chato mesmo, entediante. As pessoas deveriam ter pelo menos umas duas conversas francas um tempão depois de alcançarem o final de seus relacionamentos. Para colocar tudo para fora, não necessariamente reparar algum sentimento. Dizer "oi, eu cheguei à conclusão de que seu edredon verde contribuiu muito para minha impaciência", "você é muito chato e eu odeio suas músicas", "adoro sua sobrancelha", "sua irmã é uma cretina". Ok, tudo isso exceto a parte da irmã. Passadas outras experiências, a gente acumula um monte de coisas para dizer a respeito de um alguém ou outro. Nem todo mundo gera essa multiplicação de pensamentos, é claro. Há quem seja tão limitado a ponto de ficar sempre no quadrado branco ou preto do tabuleiro... Mas igual eu acho que sempre vale a pena marcar um encontro ou escrever um bilhete para dizer "boring". O lado cruel de escrever é que, além de ser um ato covarde pela impossibilidade de ouvir a resposta no ato, impede que quem está lendo tenha o direito de não querer saber. A pessoa lê e pronto. Ouvir também tem esse lado, mas implica poder responder com um grito ou qualquer demonstração de insatisfação. O fato é que eu fiquei olhando para o cara na pastelaria dividindo um copo de refri com a nova garota e o meu aceno aconteceu como um gesto automático que ocorre frente a qualquer rosto conhecido. Não foi de forma alguma um convite para um diálogo, e essa liberdade em romper com as distâncias me irrita. Se eu fiquei afastada e não levantei a bunda da cadeira foi porque eu achei que meu lugar fosse realmente ali. Ele se aproximou com um sorriso ensaiado. Deixou a namorada ocupada com o cardápio e começou a puxar assunto comigo, como se eu fosse o tipo de pessoa que cria uma lista de "novidades" e sai divulgando por aí. Até ele ir embora, tive de encenar aquele bom humor que nos é ensinado como sendo o mais indicado para situações inusitadas. Foi como se eu não tivesse o direito de estar em um dia ruim ou achar que ele estragou meu dia vindo falar comigo e me fazendo tirar os fones dos ouvidos. Sem pensamentos maldosos sobre eu sentir dor ou saudade ou qualquer coisa assim. Depois de um tempo, passei a ser extremamente crítica e descritiva a respeito dos caras com quem eu saía. Apelidei-os, agrupei todos em categorias: "engraçado", "drama queen", "pé feio", "só comia carne" e por aí vai. O sujeito da lancheria estava num nível médio de beleza - tinha cabelo esquisito, mas nada que uma tesoura não resolvesse. Não era de ver filme, ouvia música sem graça e falava que sabia tocar guitarra muito bem, apesar de eu nunca ter tido provas disso. Comia alface todo dia e era superamigo da mãe. Eu não estava perdendo nada ao querer ficar em paz com minhas batatas. Nem fiquei com vontade de despejar algumas palavras. Nem todo mundo merece minha atenção.